sábado, 27 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 15 [Web Novela]

15

HAVIA UMA CORDA NAS MÃOS DE MAURO, UMA CORDA QUE RESOLVERIA SEUS PROBLEMAS. Sentado em sua casa, em sua cama, ele chorava. A cabeça rodopiava, intercalando cenas do corpo estripado de sua filha, do acidente sabotado de sua ex-mulher, do suicídio inexplicável de Luciana.
Pensava na tortura a que sua filha fora submetida antes de desfalecer. Pensava na inocência de Daiana ao acelerar o carro que ele modificara previamente. Pensava na criança carregada pela mulher que se debatia nos fios de cobre de um poste de iluminação.
—Eu vou me entregar à polícia.
Falou para si mesmo. Estava sozinho. Sempre esteve sozinho. Sempre.
—Vou confessar.
Confessaria um crime de anos atrás, e também todos esses outros. Não sabia se era o assassino das garotas, mas sabia que não se conhecia mais. Podia matar, podia morrer. Não se importava.
Pegou o telefone.
—Eu preciso me entregar.
O espelho refletia suas olheiras. Estava mais magro. Sua boca estava rachada pelo stress. Seus olhos estavam vermelhos pelo sono, mas não tinha vontade de dormir.
Discou o primeiro dos números.
Lembrava-se da faca na bolsa de Luciana.
—E se ela fosse a assassina?
Era uma hipótese. Como saber agora? Ela estava morta. Como Daiana. Como ele próprio.
Discou mais um número.
As imagens se confundiam. O corpo de Elizabeth, o acidente de Daiana, o suicídio de Luciana, o ferimento de Felipe, as atrocidades de Rubens. Três gatos mortos, sangrando. Uma rua desconhecida. Uma porta barrada por sofás e armários. Uma faca coberta de sangue. Um estranho no espelho. O beijo de uma fantasma. Tudo se misturava, sonho e realidade, loucura e medo.
Discou outro número.
—Você podia evitar tudo isso.
Daiana.
—E você podia voltar para seu lugar debaixo da terra.
Ela sorriu.
—Eu nunca saí de lá. Não sou um fantasma. Nunca estive aqui. Você me trouxe. Você me criou. Você criou tudo isso.
—Cale a boca.
—Você podia evitar tudo isso mesmo.
—VOCÊ NÃO EXISTE!
Gritou, ouviu seu grito. Estava sozinho. O espelho ria de sua loucura. Arremessou seu sapato no reflexo, estilhaçando-o.
—Respire e pense, Mauro —Daiana dizia. —Pare de mentir para si mesmo. Pare de —
—Para de me incomodar —chorou aquele homem insano, abraçando os joelhos, deixando que o telefone caísse no chão, mudo. —Para de me seguir, de me enlouquecer. Morra, Daiana. Morra de uma vez por todas.
—Eu já estou morta, queridinho. Você me matou.
—NÃO!
—Sim, e você sabe bem disso.
—Eu não... eu não me acostumei com a sua ausência. Eu nunca aceitei, nunca... nunca entenderia que você tinha me deixado. Eu precisava de você.
—Agora eu estou aqui —disse ela, os braços abertos. —Morta, mas aqui. Sua. Quer transar? Ainda posso te dar prazer. Posso ser sua para sempre, agora. Para a eternidade. Sempre bonita, com os peitos firmes e as coxas sem estrias. Quer me comer, Mauro? Elizabeth está morta, mas você pode tentar de novo! Ah, é, eu me esqueci, você já tentou. Pediu por mim, pra que eu voltasse, e transou com a primeira vagabunda que teve a oportunidade. Colocou sua semente naquela vadia, não é? E agora ela tá morta, e você, sozinho. Feliz?
Mauro gritou, jogou tudo o que tinha por perto na direção de Daiana, mas nada a atingiu. Ela não estava ali. Ela não existia, e ele sabia disso.
—Some... Some, por favor. —Era uma súplica. —Desaparece pra nunca mais voltar, pelo amor de deus...
—Eu só preciso ouvir uma coisa, Mauro.
Ele engoliu em seco.
—Eu sinto muito. Me desculpa pelo que fiz, mas eu não aguentei. Sem você, eu... Eu não era nada.
—E ainda não é nada. Mas pode ser, se quiser. Não se engane. O mundo é cruel. Você errou. Fez coisas que não devia. Coisas aconteceram, meu amor. Todas elas estão aí, na sua cabeça. Você precisa se lembrar.
—Do que você tá falando?
Daiana suspirou.
—Volte para sua mente. Tá tudo aí dentro. Se você não se lembrar, vai mentir. O mundo vai mentir. Você vai se enganar, vai se deixar levar pela maré.
—Me explica.
—Tarde demais —disse ela, sorrindo, e suas pernas desapareceram. —Agora eu vou embora, e você vai ficar sozinho. Você precisa lembrar, Mauro. Por Elizabeth.
Aquelas foram as últimas palavras de Daiana antes de desaparecer, e Mauro teve certeza de que ela nunca mais voltaria.
—Por Elizabeth... —Mauro repetiu, refletindo. Buscava em sua mente, mas nada encontrava. —Por Elizabeth... —Aquilo só podia significar uma coisa: era ele. O assassino, o culpado. Era ele. Sua mente pregava peças, sua loucura o enganava. Daiana o alertou, mas ele não conseguia enxergar.
—Fui eu —disse para o que restara do espelho. —Fui eu, não é?
O espelho não respondeu.
O mundo ao redor de Mauro pareceu confuso. Ele ouvia gritos, ouvia murmúrios, ouvia súplicas de sobrevivência. Alguém pedia para não se ferir, outra voz implorava para manter-se em pé. Uma garota gritou. Sangue escorria das paredes, manchava o chão e o teto. As paredes ganharam olhos, fitaram-no com desaprovação, com náusea. Então ganharam bocas, e todas elas grunhiram, rangeram e gritaram, incriminando-o. Por último, ganharam braços, mãos, dedos, e tudo apontava para sua loucura, para seu veneno.
—Foi você —diziam as paredes. —Você é um assassino nojento. Você é um maldito assassino!
Mauro cobriu seus ouvidos, fechou os olhos, lacrou a boca e se debateu no colchão. Seu corpo doía, sua cabeça era como um vulcão tomado por magma. Queria gritar, queria saltar da janela, queria correr nas ruas até que um carro o atingisse. Queria ficar ali, se esquecer de tudo, fingir que o mundo era o paraíso e não o inferno. Queria sumir, parar na lua, morrer sozinho como sempre viveu. Queria algo que não sabia o quê era.
—Você é um assassino de merda!
As paredes repetiam, culpando-o, mostrando a ele a verdade que sua mente escondia.
—Sim, eu sou —admitiu.
O celular tocou. Era Rubens, provavelmente já ciente da morte de Luciana. Mauro recusou a ligação, desligou seu aparelho. Haviam outras chamas perdidas e mensagens, mas ele não fez questão de lê-las. Levantou-se, foi até o banheiro, jogou o celular na privada e urinou sobre ele. Imaginava o rosto de Rubens naquele aparelho, e isso o confortou, mas quando a descarga não foi capaz de levá-lo ele percebeu que teria de se acostumar com o rosto de seu antigo patrão dentro de seu vaso sanitário para sempre.
—Beba isso, filho de uma vaca —dizia.
Rubens ria, a boca coberta de espuma.
—Vai se ferrar.
Mauro fechou a tampa, não lavou as mãos. Abriu os armários da cozinha, virou todas as panelas no chão, quebrou um a um seus pratos e seus copos. Derrubou os talheres, os pires e as xícaras, queimou as toalhas e os panos de prato. A casa cheirava a incêndio, mas ele estava seguro. Era infeliz demais para morrer.
Deitou-se, exausto. Gritou, chorou sozinho, não estava satisfeito. Então riu, gargalhou, mas não havia uma piada para lhe fazer feliz. Chorou mais uma vez, socou as paredes, o ferimento em sua mão se abriu novamente. Provou do próprio sangue, sentiu o gosto do ferro. Tentou estancar os sangramento, desistiu quando parou para admirar aquele rastro escarlate em sua pele. Lhe fez bem vê-lo, sentir-se vivo, saber que era capaz de sangrar como os homens. Ele também fora um homem um dia, não é?
Agora, não mais.
Fechou os olhos, mas ainda via cenas confusas. Felipe, Rubens, Elizabeth, Daiana, Luciana, Júlia, outras garotas assassinadas. Uma faca cortava na noite, meninas gritavam, pais choravam o desespero da perda. Ele era um dos pais. Ela era uma das meninas chorosas. Ele sentira a dor da perda. Ela fora assassinada. Assim era o fim, o final da história que não tinha o direito de ter um final feliz. As imagens se confundiam. Parte era sonho, parte pesadelo. Tudo estava misturado, rodopiando e batendo contra os seus olhos. A verdade doía como estacas. A loucura não o protegia, muito pelo contrário. A morte parecia uma solução, mas ele estava cansado demais para morrer.
De olhos fechados, Mauro apagou, sem dormir, sem descansar. Apenas saiu dali, de sua vida, de seu corpo.
Quando voltou, arrependeu-se por viver.

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