Ela ainda era uma garotinha
risonha.
Arteira, sim, como toda criança tem
de ser um dia. Tinha amigas leais, um clube que chamava de APS, as Amigas Para
Sempre. Eram cinco: minha filha, as gêmeas da vizinha, uma ruiva sardenta da
casa da frente e a gordinha da esquina. Lembro-me bem dos seus sorrisos, de
suas brincadeiras, de suas explorações nas árvores que circundavam nossa casa.
Tudo aquilo era bastante saudável. As mães adoravam.
Até que aquilo aconteceu.
Estávamos perto da Páscoa, e todos
sabemos como as crianças ficam por ovos de chocolate. As cinco não eram
diferentes. Eles corriam e se sujavam lá fora, mas adoravam quando nós as
chamávamos para comer chocolate. Voltavam imundas, cheias de lama e grama, mas
comiam mesmo assim, despreocupadas com a vida. Eu amava aquela sensação. Fazia
os ovos para minha filha, deixava que ela comesse sem peso na consciência.
Sabia que, anos mais tarde, a cintura das calças jeans cuidariam dos pensamentos ruins que eu não a deixava ter.
Um dia, ela chegou em casa com um
ovo de chocolate que não era meu. Perguntei se era de uma das meninas, se ela
tinha ganhado de presente ou coisa assim.
—Não, mamãe! —ela respondeu. —Nós
achamos a toca do coelho!
—Que coelho?
—O Coelho da Páscoa, mãe! Deixa de
ser boba!
Então ela correu para fora outra
vez, e eu achei aquilo divertido.
No outro dia, ela tinha mais dois
ovos de chocolate nas mãos.
—Quem te deu isso?
—Eu peguei na toca, mamãe! Eles são
deliciosos, quer provar?
—Mais tarde. Agora, quero saber
quem está te dando esses ovos! Você não os encontrou em algum lugar e pegou sem
avisar, não é?
—Claro que não! Foi o Coelho da
Páscoa quem me deu!
Estranhei. Quando ela foi brincar,
passei na casa de cada uma daquelas mães. Perguntei a elas se tinham oferecido
ovos de chocolate à minha filha e, para minha surpresa, todas elas tinham a
mesma dúvida. Reunidas, achamos correto observar as garotas por uma tarde.
Parecia que alguém estava oferecendo doces a elas, e nunca é bom aceitar doces
de estranhos.
Na tarde seguinte, quatro mães
observaram suas cinco filhas. Elas passaram o tempo todo com as mãos unidas,
girando no lugar e cantando algo como de
olhos vermelhos, de pelos branquinhos, orelhas pontudas, eu sou o coelhinho.
Nada de surpreendente.
—Vocês querem chocolate?
Era a mãe da gordinha. Todas nós
estávamos preocupadas com aquela situação. Logo, no stress, todas aceitamos.
Ela abriu um ovo de chocolate que guardava no casaco e nos ofereceu. Estava
realmente delicioso. Ao fim, senti sono. Meus olhos quase se fecharam sozinhos.
—Nossa, de repente eu fiquei com um
sono...
Aquela frase não era minha, mas bem
poderia ser. Eu não entendia mais nada. Ouvia as crianças, distantes. Suas
vozes cantavam algo sobre o Coelho da Páscoa. Então ouvi minha filha dizer:
—Olhem, é o coelho! Vamos!
Então, passos. Cinco crianças
correram para longe de suas mães.
Nós caímos no sono ali mesmo, no
banco da praça.
Quando acordei, já era noite.
Sacudi as outras mães, acordei-as assustada. Minha filha não estava ali.
Nenhuma das garotas estava. Chamamos por elas, gritamos, perguntamos nas casas.
Nada. Com ajuda dos nossos maridos, entramos na floresta para procurá-las. Não
demorou até que encontrássemos pedaços de suas roupas. Estavam sujas de barro,
sangue e doce.
Parecia chocolate.
—Filha!
Lá estava uma das gêmeas, caída
próxima a uma das árvores. Nua, tremendo de frio pela brisa noturna, a garota
tinha os olhos mortos, sem expressão, mas respirava. Ela parecia chocada,
amedrontada, apavorada. Ao seu lado, estavam a gordinha e a ruiva sardenta,
todas elas sem suas roupas.
Mais à frente, encontrei minha
filha.
Ela estava despida, também, e seus
olhos não me diziam nada. Não havia amor, felicidade ou tristeza; não havia vida.
Era uma casca de gente, o que sobrara de uma garota que vira algo que as
crianças não estão preparadas para ver.
—Onde está a sua irmã? —perguntava
a mãe das gêmeas. —Onde ela está?
Sem resposta. Nenhuma daquelas
garotas disse algo naquela noite. Nenhuma daquelas garotas voltaria a dizer
algo em suas vidas traumatizadas.
A filha desaparecida nunca foi
encontrada. Agradeci por não ter sido a minha filha a desaparecer, mas talvez o
que tenha lhe acontecido seja muito pior. Eu nunca saberia dizer.
Buscas na floresta não deram
resultado algum, exceto por uma caverna estranha, similar a uma toca de coelho,
porém maior. Lá dentro, não havia nada de especial. Somente a terra marrom.
O
mesmo marrom do chocolate.
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