sábado, 16 de fevereiro de 2013

Conto - A Toca do Coelho



Ela ainda era uma garotinha risonha.
Arteira, sim, como toda criança tem de ser um dia. Tinha amigas leais, um clube que chamava de APS, as Amigas Para Sempre. Eram cinco: minha filha, as gêmeas da vizinha, uma ruiva sardenta da casa da frente e a gordinha da esquina. Lembro-me bem dos seus sorrisos, de suas brincadeiras, de suas explorações nas árvores que circundavam nossa casa. Tudo aquilo era bastante saudável. As mães adoravam.
Até que aquilo aconteceu.
Estávamos perto da Páscoa, e todos sabemos como as crianças ficam por ovos de chocolate. As cinco não eram diferentes. Eles corriam e se sujavam lá fora, mas adoravam quando nós as chamávamos para comer chocolate. Voltavam imundas, cheias de lama e grama, mas comiam mesmo assim, despreocupadas com a vida. Eu amava aquela sensação. Fazia os ovos para minha filha, deixava que ela comesse sem peso na consciência. Sabia que, anos mais tarde, a cintura das calças jeans cuidariam dos pensamentos ruins que eu não a deixava ter.
Um dia, ela chegou em casa com um ovo de chocolate que não era meu. Perguntei se era de uma das meninas, se ela tinha ganhado de presente ou coisa assim.
—Não, mamãe! —ela respondeu. —Nós achamos a toca do coelho!
—Que coelho?
—O Coelho da Páscoa, mãe! Deixa de ser boba!
Então ela correu para fora outra vez, e eu achei aquilo divertido.
No outro dia, ela tinha mais dois ovos de chocolate nas mãos.
—Quem te deu isso?
—Eu peguei na toca, mamãe! Eles são deliciosos, quer provar?
—Mais tarde. Agora, quero saber quem está te dando esses ovos! Você não os encontrou em algum lugar e pegou sem avisar, não é?
—Claro que não! Foi o Coelho da Páscoa quem me deu!
Estranhei. Quando ela foi brincar, passei na casa de cada uma daquelas mães. Perguntei a elas se tinham oferecido ovos de chocolate à minha filha e, para minha surpresa, todas elas tinham a mesma dúvida. Reunidas, achamos correto observar as garotas por uma tarde. Parecia que alguém estava oferecendo doces a elas, e nunca é bom aceitar doces de estranhos.
Na tarde seguinte, quatro mães observaram suas cinco filhas. Elas passaram o tempo todo com as mãos unidas, girando no lugar e cantando algo como de olhos vermelhos, de pelos branquinhos, orelhas pontudas, eu sou o coelhinho.
Nada de surpreendente.
—Vocês querem chocolate?
Era a mãe da gordinha. Todas nós estávamos preocupadas com aquela situação. Logo, no stress, todas aceitamos. Ela abriu um ovo de chocolate que guardava no casaco e nos ofereceu. Estava realmente delicioso. Ao fim, senti sono. Meus olhos quase se fecharam sozinhos.
—Nossa, de repente eu fiquei com um sono...
Aquela frase não era minha, mas bem poderia ser. Eu não entendia mais nada. Ouvia as crianças, distantes. Suas vozes cantavam algo sobre o Coelho da Páscoa. Então ouvi minha filha dizer:
—Olhem, é o coelho! Vamos!
Então, passos. Cinco crianças correram para longe de suas mães.
Nós caímos no sono ali mesmo, no banco da praça.
Quando acordei, já era noite. Sacudi as outras mães, acordei-as assustada. Minha filha não estava ali. Nenhuma das garotas estava. Chamamos por elas, gritamos, perguntamos nas casas. Nada. Com ajuda dos nossos maridos, entramos na floresta para procurá-las. Não demorou até que encontrássemos pedaços de suas roupas. Estavam sujas de barro, sangue e doce.
Parecia chocolate.
—Filha!
Lá estava uma das gêmeas, caída próxima a uma das árvores. Nua, tremendo de frio pela brisa noturna, a garota tinha os olhos mortos, sem expressão, mas respirava. Ela parecia chocada, amedrontada, apavorada. Ao seu lado, estavam a gordinha e a ruiva sardenta, todas elas sem suas roupas.
Mais à frente, encontrei minha filha.
Ela estava despida, também, e seus olhos não me diziam nada. Não havia amor, felicidade ou tristeza; não havia vida. Era uma casca de gente, o que sobrara de uma garota que vira algo que as crianças não estão preparadas para ver.
—Onde está a sua irmã? —perguntava a mãe das gêmeas. —Onde ela está?
Sem resposta. Nenhuma daquelas garotas disse algo naquela noite. Nenhuma daquelas garotas voltaria a dizer algo em suas vidas traumatizadas.
A filha desaparecida nunca foi encontrada. Agradeci por não ter sido a minha filha a desaparecer, mas talvez o que tenha lhe acontecido seja muito pior. Eu nunca saberia dizer.
Buscas na floresta não deram resultado algum, exceto por uma caverna estranha, similar a uma toca de coelho, porém maior. Lá dentro, não havia nada de especial. Somente a terra marrom.
O mesmo marrom do chocolate.

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