quinta-feira, 14 de março de 2013

Crônica - Sinal de Pipa


Lá estava ele, outra vez.
Tinha nas mãos a linha branca, tomada por cerol de cola de sapateiro, como aprendera com o irmão mais velho antes de perdê-lo. Não havia, porém, outra pipa a irradia no céu; somente o vermelho de sua falsa diversão jazia entre as nuvens, inerte, sem graça, sem nada.
No silêncio emudecido daquela favela, tantos moradores gritavam calados. O garoto, por sua vez, sorria. Ele tinha o dinheiro do dia, mais do que seu pai teria na semana, possivelmente. Junto dele, tinha a liberdade do mundo, a carícia do vento e a graciosidade das nuvens. Às vezes, quando desatento, perguntava-se, confuso, se aquilo haveria de ser suficiente.
Ali, no silêncio dos inocentes, surgiu um homem que trazia consigo o estrondo. Vestia-se na farda cinzenta dos asquerosos, heróis do povo e inimigos de ninguém. Era somente o primeiro de muitos que, naquela tarde, ganhariam o desconhecido território almejado por planos e operações.
A pipa escarlate sacudiu no ar, revolta.
Não era o vento. Era o garoto quem a movia. O sinal no céu era claro, e todos os líderes daquele tráfico o viram ilustrar o azul do teto do mundo:
A polícia está aí.

[Baseado na primeira cena do romance Cidade de Deus]

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