Lá estava ele, outra vez.
Tinha nas mãos a linha branca, tomada por
cerol de cola de sapateiro, como aprendera com o irmão mais velho antes de
perdê-lo. Não havia, porém, outra pipa a irradia no céu; somente o vermelho de
sua falsa diversão jazia entre as nuvens, inerte, sem graça, sem nada.
No silêncio emudecido daquela favela, tantos
moradores gritavam calados. O garoto, por sua vez, sorria. Ele tinha o dinheiro
do dia, mais do que seu pai teria na semana, possivelmente. Junto dele, tinha a
liberdade do mundo, a carícia do vento e a graciosidade das nuvens. Às vezes,
quando desatento, perguntava-se, confuso, se aquilo haveria de ser suficiente.
Ali, no silêncio dos inocentes, surgiu um
homem que trazia consigo o estrondo. Vestia-se na farda cinzenta dos asquerosos,
heróis do povo e inimigos de ninguém. Era somente o primeiro de muitos que,
naquela tarde, ganhariam o desconhecido território almejado por planos e
operações.
A pipa escarlate sacudiu no ar, revolta.
Não era o vento. Era o garoto quem a movia. O
sinal no céu era claro, e todos os líderes daquele tráfico o viram ilustrar o
azul do teto do mundo:
A
polícia está aí.
[Baseado na primeira cena do romance Cidade de Deus]
Esta crônica e bem interessante
ResponderExcluirGostei bastante