Aquela coisinha me irritava
profundamente.
Antes, doía. Agora, depois de tanto
tempo (um tempo que eu sequer sabia contar, na verdade, pois poderiam ser dias,
semanas, meses, mas eu acreditava que eram muitos e muitos anos), eu já estava
acostumada. A dor não era mais um problema, não mesmo. O problema era aquele
barulho, aquele ruído miúdo e trágico, capaz de me recordar, a todo momento, o
quão fraca eu era para sofrer horrores nas mãos de uma criaturinha tão
ridícula.
Amarrada como eu me encontrava, acorrentada
pelas mãos e pelas pernas num cômodo escuro, como o quarto de um sequestrador,
eu sentia meus músculos palpitarem. Às vezes, no silêncio musical da minha
loucura, podia acreditar que ainda havia esperanças. Era um pensamento frágil,
delicado e tolo, mas às vezes ele surgia e, por trás de meus olhos já
acostumados à escuridão, eu via a luz do sol, aquela luz que entra pelas
frestas das janelas e portas abertas, a luz que eu já não via há semanas.
Então as grades se abriam, e ela
chegava.
Era tão pequena que eu me sentia
insignificante. Pequena em proporções, sim, possivelmente menor do que meu
antebraço, mas dotada de uma força colossal. Se eu contasse, ririam de mim na
escola, em casa e em qualquer outro lugar, então eu jamais contaria. Não teria oportunidade,
de qualquer maneira. Não mais. Mas eu não contaria, mesmo que pudesse. Seria
humilhante para mim, para todos. Humilhante demais.
Ela me parecia um pássaro com
pernas e braços, azul, ou verde, ou de
ambas as cores e muitas outras. Com o tempo, na escuridão, perdi a noção de
como diferenciar as cores. Era tudo preto, e o resto, não preto. Tinha outra
cor, mas para mim era somente o escuro e o claro. Ela era clara, não preta, mas
poderia ser das cores do arco-íris. Tanto faz. Com suas asas de penas e
membranas, ela voejava, sempre risonha, como uma hiena do tamanho de uma mão,
talvez menor. Seus olhos, tão pequenos que eu mal os via, fixavam meu rosto com
uma feitiçaria macabra e apavorante, e ela ria, sem dente algum, e eu também
ria, com os dentes que me restavam.
E aí ela arrancava mais um deles
com as suas mãozinhas, e eu sangrava mais uma vez, mais um dia, e meu corpo
todo latejava na amargura de existir. Depois ela ia embora, sem falar nada.
Antes de sair, no entanto, jogava uma moeda, e ela se empilhava nas centenas
que jaziam no canto de minha prisão.
Eu me arrependi de escutá-los. Acho
que todo mundo se arrepende um dia de ter escutado alguém, alguém que disse
alguma coisa que, naquele instante, pareceu vantajosa, mas logo depois se
mostrou a pior das situações. E, como todo mundo, eu me arrependi também. Eles
me disseram que ela traria uma moeda, e eu acreditei. Quando o primeiro de meus
dentes caiu, eu o coloquei sob o travesseiro, como disse minha família. É só um
dente, pensei. Por só uma moeda.
Vale a pena, não vale?
Desde então, sou alimento, sou
presa, sou um depósito que mata a fome a qualquer hora. Não sou a única, eu
acho. Tem dias que eu escuto alguns gritos, gritos agudos, como os meus um dia
foram. Sei que aquelas pessoas vão sofrer o que eu sofri, e depois se
acostumar. Em tempos, vão parar de gritar, mas não de sofrer. E vão se
arrepender, como eu me arrependi.
Elas, assim como eu, nunca mais vão
desejar receber uma moeda da fada dos dentes.
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