terça-feira, 2 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 8 [Web Novela]

8

HÁ MUITAS COISAS PARA SE OBSERVAR NUMA TARDE. Ainda mais quando se senta no banco de madeira de uma praça movimentada.
Toda cidade tem sua praça movimentada. Ali não era diferente. Mauro estava sentado ali, num dos bancos, com os braços unidos sobre as pernas e a mente vagueando como uma nuvem carregada num tufão. E, dentre todas as coisas que ele poderia observar, escolheu meninas para isso.
Pensava em Daiana. Ele a beijara pouco tempo antes, e ela estranhou sua reação. Não disseram mais nada. Ela foi embora, ele permitiu. Talvez ela nunca mais voltasse. Quem saberia dizer? Ele não esperava por isso. Ele a odiava, é. Lutava consigo mesmo para inserir essa ideia em sua mente. Lutava contra o universo para acreditar que um dia seria capaz de aceitar tal fato.
Enquanto pensava em Daiana, Mauro observava meninas. Havia um assassino à solta, ou assim diziam os jornais. Um homem que matava crianças do sexo feminino. Um monstro que estripava garotinhas. Um ser desprezível, como uma fera animalesca e faminta em busca da carne que saciaria sua fome. Um demônio.
Olhando garotas, Mauro se sentiu como o monstro em pessoa. Será que era assim que ele fazia? Sentava num lugar de grande movimento, num fim de tarde ou numa manhã de domingo, e escolhia sua vítima? Lá estava uma garota de vestido vermelho segurando um balão, acompanhada da mãe. Ele a seguiria até sua casa, estudaria a rotina e, no primeiro momento de fraqueza, findaria sua vida? Era estranho imaginar assim. E a coisa só piorava conforme Mauro tentava entender o que motivaria alguém a agir assim.
Olhava, às vezes, para o celular. O relógio mostrava que ele já estava algumas horas atrasado para seu trabalho. Não pretendia ir, não mesmo. Ali, na tela, marcavam-se cinco ligações de Rubens, bem como algumas mensagens com ofensas abusivas. Ao lado delas, algumas ligações de Luciana. Ela também escrevera algumas mensagens, mas Mauro não teve coragem de lê-las. Por último, uma única ligação de Felipe.
Mauro ligou de volta para ele, mas o telefone chamou e chamou. Ele estava trabalhando naquele momento. Não ligaria de volta.
Para surpresa de Mauro, Felipe ligou.
—Alô?
—Mauro? Cara, tu é louco? O Rubão tá puto contigo! Ele quer arrancar a sua pele, tinha que ver como ele bufava!
—Que pena.
—Qual é cara, o que tá acontecendo? Cadê aquele maluco que sentava no bar do meu lado e bebia até cantar as garçonetes com músicas bregas?
—Deve ter morrido junto com Elizabeth...
—Mauro, ergue essa cabeça cara! Até quando você pretende ficar assim?
Mauro não soube responder.
—Você não deveria estar no trabalho? —perguntou ele.
—Sim, deveria, mas eu escapei. Tinha um atestado na manga, resolvi usá-lo hoje, sabe como é: tem um parceiro precisando de companhia.
—É, nisso você tá certo. Eu vou até aí ou você vem me encontrar?
—Aparece aqui. Tem um vinho esperando pela gente.
—Não me leva a mal não, mas nem tem como eu beber.
—Você quem sabe.
Mauro foi andando até o apartamento de Felipe, que não era tão longe. Três dormitórios com suíte, piscina, hidromassagem, sauna, academia e playground, tudo isso para um cara sozinho e sem filhos. Algumas pessoas gostavam de esbanjar. Outras, como Mauro, apenas as invejam.
—Entra aí —disse Felipe, abrindo a porta. Vestia um calção de banho e um chinelo.
—Dá licença.
Mauro se sentou no sofá, recusando educadamente uma taça de vinho que já estava disposta ao seu lado.
—Bebi demais por um mês —contou ele.
—Quando isso?
—Ontem. Com a Luciana. Ela foi trabalhar hoje?
—Foi sim, mas tava com uma cara péssima! Agora eu já sei o que aconteceu. Mas diz aí, o que rolou? Vocês saíram? Ela é uma ruiva e tanto hein!
—Eu não me lembro direito, cara. Ela me convidou, eu aceitei, bebemos muito e... Sei lá. Acordei na casa dela sem calças, e talvez isso devesse ser um bom sinal, mas não me alegra. Ela tava na cama de solteiro e eu no chão.
—Mas rolou algo ou não?
—Não faço ideia.
—E ela?
—Muito menos.
Felipe coçou o queixo, pensativo.
—Ela não parecia muito alegre não, se quer saber —começou ele. —Talvez você tenha falhado na hora, vai saber. —Mauro lançou um olhar sombrio para Felipe, que apenas riu em deboche. —Relaxa cara, é só brincadeira. Mas por essa eu não esperava, tenho que admitir.
—Imagina se eu esperava...
Felipe bebericou o vinho.
—E quanto às mortes?
Mauro estranhou.
—Que mortes?
—As garotas. Você não assiste televisão?
—Mais uma?
Felipe fez que sim com a cabeça. Procurou com as mãos por um jornal amassado que estava embaixo de suas pernas e jogou-o na direção de Mauro. A manchete falava sobre a morte de uma terceira garota, aos mesmos moldes de Elizabeth e Júlia.
—Acho que ela se chamava Clara, ou Carol, algo assim —contou Felipe, tentando recolher detalhes da reportagem que vira na mídia. —Foi encontrada num parque, na madrugada de ontem. O desgraçado tirou ela da própria casa e arrastou até os brinquedos. Provavelmente foi lá que ele a viu pela primeira vez. Só sei que, depois de esfaqueá-la inúmeras vezes, o cara ainda amarrou a garota no balanço e deixou ela se arrastar de um lado para o outro, na areia. Acho que nem preciso comentar sobre como ela ficou...
—Maldito —praguejou Mauro, apertando o jornal nas mãos, mais especificamente o retrato da terceira garota assassinada. —Acha mesmo que essas mortes estão relacionadas?
Felipe deu de ombros.
—Quem sabe? Tudo pode estar relacionado. Às vezes o mundo nos prega umas peças, sabe? As garotas, sua filha, sua depressão... Tudo pode estar relacionado.
—Do que tá falando?
Felipe riu, sem graça.
—Sei lá, cara. Acho que tentei fazer uma piada, mas seu humor não tá muito bom.
Mauro baixou os olhos, desanimado.
—Eu tenho medo, Felipe —contou ele. —Tenho medo de não conseguir passar por isso, de não ter forças para me levantar. Essa queda doeu demais.
—Você ficou assim quando... Daiana... bom, você sabe. Foi difícil, eu me lembro, mas no final deu tudo certo.
—Não deu nada certo. Eu nunca superei aquilo, nunca. Nunca aceitei que ela me deixou.
—Mas aprendeu a conviver com isso, o que dá na mesma. Acho que dá pra levar, Maurão, não me leva a mal. A gente segue com uns tropeços constantes, mas tudo é passageiro. Tudo fica para trás um dia.
—Eu não sei... —Mauro pensou um pouco, em silêncio. —Daiana tem me visitado.
Felipe se assustou.
—Como assim? —perguntou ele, atônito.
—Ela apareceu no enterro de Elizabeth. Jurava que ela não estaria lá, mas estava. Falou comigo, depois foi embora. Achei que era só isso, mas ela tá me seguindo. Invadiu a minha casa duas vezes. Disse que ainda tinha a chave, mas eu já troquei as fechaduras. Dei um beijo nela ontem.
Os olhos de Felipe mostravam um visível desespero em seu semblante, mas ele nada disse.
—Eu sei, parece loucura, mas eu não pude me controlar —contou Mauro. —Eu... Eu ainda a amo. Por isso não atendo Luciana. Por falar nisso, olha ela me ligando outra vez.
—Devia tentar atender —disse ao amigo, acabando com seu vinho de uma só vez. —Talvez você precise disso: uma mulher. Outra mulher. Não Daiana. Se livra do passado, segue em frente. Enquanto se acorrentar em memórias, vai viver delas, e o mundo não te espera pra girar.
O celular vibrou até a chamada de Luciana cair.
—Você tem razão. Talvez eu deva tentar.
—É. Eu sempre tenho razão.
Mauro sorriu, mais por educação do que por graça. Aceitou um único gole de vinho, para evitar a desfeita, e se despediu do amigo. Felipe ainda o olhava com estranheza, como se algo em suas palavras fizesse com que o amigo o visse como um louco.
Quando no exterior do apartamento, Mauro recebeu novamente uma ligação de Luciana. O celular tocou uma, duas, três vezes. Ele prometeu a si mesmo que atenderia, mas não o fez.
Desligou e seguiu em frente.

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