segunda-feira, 15 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 13 [Web Novela]

13

ÀS VEZES IMAGINAMOS A NOSSA VIDA NA BEIRA DE UM ABISMO. É a nossa chance de fazer algo para mudar tudo, para tirá-la dali, da beira do fim. É a nossa chance de evitar que toda a vida desabe de uma só vez, cedendo a todas as fraquezas.
Naquelas palavras de Luciana, Mauro viu sua vida mergulhar na escuridão.
—Como é que é?
—É isso mesmo que você ouviu —continuou Luciana. —A gente... aquela noite. Eu tô grávida. O exame não mente. Estou esperando um filho seu.
Mauro desligou o telefone.
Podia parecer frieza da parte dele, mas não era. Ele só não estava preparado para aquilo, não mesmo. Não conseguia cuidar de si mesmo, não conseguiria cuidar de Luciana, muito menos de uma criança recém-nascida.
Pensava no que Daiana faria quando soubesse...
—Não acredito nisso —dizia para si mesmo. —Eu não acredito que isso tá acontecendo, não consigo acreditar. Mauro, seu merda, o que você fez?
Deitou-se, tentou descansar, dormiu e acordou sem saber quantas horas se passaram. Revirou-se na cama, tentou fechar os olhos outra vez, os sonhos não lhe permitiram descansar. Bebeu água, tomou um banho, percebeu que não fazia isso há algum tempo. Comeu uma fruta, vomitou mais uma vez, o estômago incapaz de preservar qualquer alimento em seu interior. Deitou outra vez, fechou os olhos, viu demônios e fantasmas, teve que abri-los novamente para evitar os gritos de suas alucinações.
Inquieto como estava, Mauro precisava sair. Sua casa era pequena demais para sua angústia. Ajeitou suas coisas, vestiu a primeira roupa que encontrou, sequer se perfumou. Amarrou os cadarços, tirou os sofás e os armários da porta de entrada e saiu, deixando para trás o confinamento que lhe fazia se sentir protegido.
O ar das ruas parecia agradável, diferente dos outros dias. O céu estava limpo, as nuvens claras, o mundo, mundano. Nada parecia diferente, mas nada estava completamente igual.
Mauro andou, sem rumo, sem destino. Percebeu-se em frente à casa de Felipe. Decidiu chamá-lo.
Era um domingo, e o escritório não funcionava aos domingos. Logo Felipe estava ali, vestindo um pijama maltrapilho, com cabelos desajeitados e olhos fundos. Ele tinha esparadrapos no ombro esquerdo, como se protegesse um ferimento pequeno.
—Olha só quem resolveu aparecer —zombou ele. —Tá vivo ainda, Maurão?
—Posso entrar?
Mauro olhava para os lados às vezes, como se esperasse que a qualquer momento um monstro pudesse saltar da parede e engoli-lo.
—Claro, entra aí.
Ele entrou, com passos rápidos.
—O que aconteceu? —perguntou Mauro, apontando para o ombro de Felipe.
—Ah, isso? Eu me machuquei esses dias. Tenho estado muito distraído, sei lá. Acho que não sei lidar com amigos loucos, não mesmo.
—Tem acontecido muita coisa, Felipe, eu nem sei por onde começar.
—Então nem começa, cara. Deixa eu te perguntar uma coisa antes: tem visto a Luciana? Ela não apareceu no trabalho nesses últimos dias. O Rubens tentou ligar, mas ela não atendeu.
—Não tenho. Na verdade, nem sei se quero vê-la tão cedo, ou se posso vê-la. Eu não sei o que fazer.
—Fica calmo. Vou te ajudar a respirar.
Felipe abriu uma garrafa de vinho tinto, oferecendo uma taça para degustação de Mauro, mas ele acabou com a bebida de uma só vez.
—Não é assim que se toma vinho, você devia —
Mauro se sentou, e Felipe desistiu de ser amigável e risonho.
—Tá legal, conta aí.
—Ela tá grávida.
O vinho no copo e na boca de Felipe conheceu o toque do solo.
—Como é?
—Ela tá grávida, Felipe! A Luciana tá esperando um filho meu!
—Então tem um doidinho pra nascer? Caraca, pensei que você nem tinha executado o serviço direito, mas pelo jeito —
—Não tem graça, cara, presta atenção! —Mauro se exaltou. —Isso não podia acontecer, não mesmo! Como é que eu vou lidar com isso tudo? Como é que eu vou contar isso para...
Mauro parou, engoliu em seco.
—Contar para quem? —perguntou Felipe.
Respirando fundo com uma calma que não possuía, Felipe respondeu.
—Para Daiana.
Silêncio. Os olhos de Felipe demonstravam incerteza, receio ou desprezo, tudo misturado, como uma mistura asquerosa feita num liquidificador.
—Eu sei que não devo explicações a ela, eu sei que ela é a minha ex-mulher, eu sei! Mas cara, ela tá me perseguindo, seja lá qual for o motivo! Ela tem invadido minha casa, tem me observado, isso tá me deixando louco.
Felipe deixou a taça manchada pelo vinho sobre uma mesa no centro da sala e revirou algumas gavetas da cômoda próxima ao televisor.
—Juro que tentei fazê-la ir embora, eu juro mesmo —continuou Mauro, —mas ela insiste em ficar! Eu não aguento mais, não sei o que fazer! E se ela descobrir que Luciana tá grávida, ela... Não sei o que pode acontecer. Não faço ideia.
Sem dizer nada, Felipe se sentou ao lado de Mauro, cabisbaixo. Como um amigo, como um companheiro de horas boas e horas ruins, postou a mão sobre a perna de Mauro, como se conhecesse toda a dor da loucura que o atingia.
—Você não se lembra mesmo, não é? —disse ele. —O trauma deve ser grande demais. Parece que sumiu da sua cabeça, e eu não imagino como isso seja possível.
—Do que você tá falando?
Felipe abriu as mãos e mostrou a Mauro uma foto surrada. Ela tinha um carro em destroços, queimado por um acidente terrível.
—O que é isso? —perguntou Mauro.
—Olhe com atenção. Não acredito que você não se lembre.
Mauro se concentrou, caçou em suas lembranças por algum significado para aquela cena. Em sua mente, alguém dirigia. Uma mulher. Ela estava rápida demais, acelerando para tentar afugentar os seus problemas. O ronco do motor impediam-na de se recordar de seus erros, de suas escolhas, do caos de sua vida. Ela corria demais, pisava no limite da aceleração, via o mundo nas janelas como um borrão. O motor respondia, obedecia como um capacho suicida. Mas o motor não estava bem. Ele estava fraco. Desajeitado, perversamente desalinhado para que o desfecho não fosse outro além do planejado. Ela não sabia disso. Nunca soube. Correu, acelerou, viu o mundo deslizar como uma figura rabiscada na sulfite amarelada.
A memória se confundia. Um estrondo, uma pancada, um final infeliz ou feliz, aos pontos de vista que não se encontravam. Sangue jorrou, o fogo fez a carne cheirar a churrasco sem tempero. Ao fim, restou nada além da morte. Ela correu para a própria morte, sem saber. Mas ele sabia. Ele escolheu assim. Ele a desejava. Ele a queria para si, e ela não o aceitou. Um dia, fora dele, mas não mais. Ele não sabia perdoar. Não sabia enxergar aquilo como uma alternativa. Podia vê-la triste, mas não distante. Podia vê-la chorar, morrer, mas ainda assim ali, ao seu lado.
—Eu... me lembro agora.
Lágrimas correram pelos olhos de Mauro.
—Você me contou, um dia —disse Felipe, desanimado. —Eu não queria ter que conversar com você sobre isso, mas... você não tá bem. Não é o mesmo cara que eu conheci um dia. Sua memória tem falhado, você tá enlouquecendo.
—Fui eu —Mauro balbuciou. —Fui eu o responsável.
—Nós erramos, Mauro. Todos nós erramos um dia.
—Eu a matei! —Mauro explodiu, derrubando sua taça vazia e virando a mesa de Felipe contra o chão. —Eu... eu matei Daiana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário