segunda-feira, 8 de julho de 2013

Games - Assassin's Creed Revelations e 3

E finalmente, depois de tanto tempo, consegui me colocar em dia com a série Assassin's Creed! Ao menos com a franquia principal, claro, já que não tive a oportunidade de jogar o Liberation, exclusivo do PS Vita, mas enfim. Concluindo o Revelations e o terceiro episódio da série, nada mais justo do que comentá-los aqui, como feito anteriormente. Me acompanha?


Dando fim à história de Ezio Auditore, Revelations teve seu charme do começo ao fim. Se compararmos os pontos altos e baixos, esse foi um dos jogos da franquia que mais me cativou! Particularmente, achei o personagem de Yusuf Tazim fascinante, ainda que não seja dos mais importantes da série, e os apetrechos desse episódio fazem de Ezio o máximo no que diz respeito aos assassinos, do bico-de-águia ao paraquedas atualizado que, na sequência da batalha final, cria uma cena memorável para os fãs de AC. O desfecho é super empolgante, e a história de Ezio cria um carinho ainda maior pelo personagem. E ainda, de brinde, temos passagens fabulosas no controle de Altair, o assassino original, do primeiro jogo da série, que nos mostram o verdadeiro destino que o acolheu. Um jogo fascinante, do começo ao fim. Mas...



Navios! Eu sei que muita gente surtou ao ver a mudança absurda de cenário referente a Assassin's Creed 3, e muita gente acabou não gostando do resultado, mas, cara, temos navios e, se essas não foram as batalhas mais intensas que um jogo de batalha naval já proporcionou, não sei quais foram (e me recomendem, de preferência). Eu tenho uma queda absurda por piratas, e o pouco do cenário corsário apresentado em AC3 me ganhou de imediato, admito. Fora isso, Connor não é um personagem tão cativante quanto Ezio ou Altair (mas tem os genes mutantes e marombeiros de Chris Redfield, porque de uma hora para outra fica enorme, como um gorila, haha), mas também tem sua graça. O cenário, construído na época, ficou muito bonito de se explorar, e a época histórica escolhida também me agradou bastante. É claro que as mudanças foram necessárias, mas foi interessante explorar um modelo diferente de universo com as habilidades dos assassinos. Saltar por entre as árvores e correr na neve, por exemplo, foram duas coisas que mostraram o extremo de legal e grotesco. Sem contar que, diferente dos demais episódios da série, temos neste uma série de cenas jogadas com Desmond, incluindo, dentre elas, uma que se passa no Brasil (e que é incrivelmente bizarra, haha)! E o desfecho não foi de todo surpreendente, sim, mas deixa aquele pingo de curiosidade sobre o desenrolar da "história verdadeira" da série no próximo episódio.


E AC4 estará disponível em Outubro deste ano, ou seja, falta pouco para termos em mãos mais um jogo da série, que tem grandes chances de se tornar o meu favorito até então, já que se volta totalmente para a temática de piratas, ambientado, inclusive, nos mares do Caribe de 1717, quando as atividades dos corsários estavam em alta. Só nos resta esperar e ver se o avô de Connor vai marcar presença ou se tornará apenas mais um rostinho conhecido na série.
E que venham mais batalhas de navio!

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Livros - O Nome do Vento


Antes mesmo que eu me envolvesse com a leitura de 'O Nome do Vento', já havia me tornado um grande fã de Patrick Roothfus. Muita gente, dentre amigos e conhecidos amantes da literatura fantástica, me indicou o livro que acompanhava Kvothe, o Sem-Sangue, entre diversos outros nomes marcantes, por suas aventuras. Um dia, quando o livro já esperava na minha estante de próximas leituras há muito tempo, resolvi dar uma chance às mais de 650 páginas deste primeiro volume, e eis que me surpreendo com um dos romances mais agradáveis que já tive a oportunidade de ler na vida. Mas o que há de tão especial em 'O Nome do Vento', você me pergunta. É sobre isso mesmo que falarei nessa postagem.
Nos Quatro Cantos, histórias vêm e vão, e diversas delas falam sobre um guerreiro de cabelos vermelhos e seus grandes feitos, da Universidade adiante. Mas o Cronista, um homem que coleciona as histórias mais fabulosas do mundo em seus livros, encontra apenas um hospedeiro de nome Kote, dono da estalagem Marco do Percurso, simpático, na medida do possível, mas não uma lenda. Mas as aparências enganam e, decidido a conquistar sua história, o Cronista entra num acordo com Kvothe: por três dias, escutará a história de sua vida, escrevendo-a, sem nada alterar das palavras do ruivo. E assim, ao mesmo tempo em que vivenciam coisas surpreendentes na estalagem, acompanhamos a vida e as aventuras de Seis-Cordas, neste primeiro dia, de sua infância na trupe à Universidade, onde viveu suas primeiras aventuras,
A escrita de Roothfus carrega algo de especial, certamente. Seu nível de detalhe é absurdamente eficaz, o que poderia muito tempo tornar-se chato e massante, mas acaba por dar vida de maneira maravilhosa ao universo criado pelo autor. Tudo é vivo, desde a economia aos costumes e aos dialetos inventados por Patrick; as coisas andam em movimentos dançantes, enquanto Kvothe aprende mais e mais sobre o mundo conforme se aventura por ele. A narrativa, inicialmente, desenvolve-se de maneira lenta, mas logo ganha um ritmo alucinante, mesmo que não seja completamente dotada de ação. Nos momentos em que a ação existe, no entanto, não deixa nada a desejar, criando passagens memoráveis e cenas que chamam a atenção do leitor para o modo imparcial e frio da descrição dos acontecimentos, algo que dificilmente encontramos nos romances. Essa transição de cenas medianas para as mais ágeis, e falo isso como pseudo-escritor, também, é algo difícil de se fazer. Se sua história se acomoda na calmaria, quando a ação chega, você tem um ritmo diferente para escrevê-la. Se sua história banha-se na ação, as cenas de calmaria podem, presumidamente, receber uma velocidade desnecessária, tornando-se corridas contra um tempo que inexiste. Mas Roothfus conseguiu adaptar as sequências de maneira esplendorosa, deixando-as igualmente satisfatórias, o que não é único de sua escrita, mas certamente algo raro e que deve ser reconhecido.
E os personagens, ah, os personagens! Roothfus tem uma capacidade incrível de criar rostos marcantes que desaparecem em diversas partes do livro. Desde o início, com Abenthy, passando por Trapis e seu "que foi, que foi, quietinho, quietinho", sem esquecer de Elodin, Auri (que, na minha opinião, passa a ser a personagem mais envolvente do livro, mesmo com raras aparições), Denna e seu ciclo de desaparecimento, Simmon e Wilem e suas táticas falhas sobre as mulheres, Manet, Kilvin, Elxa Dal e todos os demais professores (mesmo Hemme e Lorren, quase que odiados), Feila, o deplorável Ambrose e muitos outros. Os nomes são bastante criativos e originais, bem como suas personalidades, tão vivas quanto a do protagonista, tão palpáveis que se tornam pessoas, físicas e vívidas, presentes tanto nos Quatro Cantos quanto na mente do leitor, como amigos inesquecíveis.
Ao fim do livro, conhecendo mais sobre a infância de Kvothe, ficamos com um misterioso gosto do saber. Sabemos tanto, e ao mesmo tempo não sabemos nada sobre esse personagem envolvente. Há tantos mistérios para se resolver que sequer imaginamos como as coisas podem continuar... Mas elas continuam. O Temor do Sábio, já lançado no Brasil, conta com 960 páginas, narrando mais e mais aventuras de Kvothe em sua busca pelo Chandriano numa vingança tênue e vagarosa. E tudo o que tenho a dizer é: leia. Se gostou de Senhor dos Anéis, se gostou de Harry Potter, se gostou de qualquer outro livro de fantasia, em suma medievais. Leia, sem se assustar com a grande quantidade de páginas, e leia sem medo de se arrastar nas partes mais descritivas. Prepare-se para encontrar um cenário fabuloso, e se envolver cada vez mais com uma história que, com seus altos e baixos, consegue encantar qualquer leito que se preze.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Games: DMC e AC: Brotherhood

Depois de tanto tempo sem terminar um jogo, eis que, em dois dias, terminei dois dos que tinha começado há algum tempo. O primeiro deles, DMC, o mais novo título da franquia Devil May Cry e sua DLC, Vergil's Downfall, e o segundo, o terceiro episódio do maior título da Ubisoft, Assassin's Creed Brotherhood. Vamos juntos?


Diferente do que sempre pensei, ao ver imagens nas revistas e na internet, DMC foi um jogo que me agradou bastante. Muita gente ficou inconformada com o fato de ser um Dante meio punk e adolescente rebelde e tal, mas enfim, de certa forma, ficou agradável vê-lo daquela maneira. Do mesmo jeito, muita gente acredita que o jogo é um reboot da série, e talvez realmente o seja, mas eu não o vejo assim. DMC é um prelúdio, uma história que nos mostra as origens da série, talvez de uma perspectiva diferente da pensada originalmente, mas sem alterar nada do que aconteceu nos jogos posteriores. Lá está o Dante, e a explicação para os seus cabelos brancos, e o Vergil, que se mostra bonzinho até sua queda, retratada de maneira fabulosa no DLC Vergil's Downfall, que garante quase duas horas adicionais de jogo. Demorei cerca de 8 horas para terminar a história principal, o que rendeu, no total, cerca de 10 horas de jogo, apenas para acompanhar a trama. Se você é um colecionador, ou gosta de se aventurar em outras dificuldades, boa sorte, você vai precisar! No fator pancadaria, o jogo não deixa nada a desejar para qualquer um dos outros episódios. Talvez os chefes sejam mais modestos em gameplay, principalmente o último, que é até meio repetitivo, mas a originalidade do jogo continua em alta, e as cenas apresentadas vão do hilário ao grotesco em um só instante! Fica a dica para quem curte jogos hack'n slash, e se você, como eu, também não foi com a cara do jogo nas reviews e nas fotos, dê uma chance. Garanto que não vai se arrepender como imagina.


E, depois de tanto tempo após o terminar o AC2, tive a oportunidade de concluir Brotherhood, e confesso que se tornou meu favorito! O sistema da Irmandade é fantástico, e a oportunidade de treinar seus assassinos em missões, como um simulador, deve ter viciado meio mundo por aí. A história, como sempre, continua fantástica, narrando os eventos de memórias no Animus de forma detalhada e apimentando nossa curiosidade sobre o caso Desmond com curtas passagens pelo contemporâneo, rendendo, assim, mais vida à série. Brotherhood é dinâmico, ainda mais do que AC2, que já havia melhorado se comparado ao primeiro episódio, e suas missões são ágeis e fascinantes! E, ainda que alguns o encarem como um spin-off, eu, particularmente, achei o roteiro apresentado no jogo como uma parte super importante para a história do Desmond, e que não deixa nada a desejar no quesito Ezio Auditore, ao menos para nós que apreciamos entender mais da vida do seguidor do Altair.

Assim que terminei Brotherhood, fiz questão de começar um save de Revelations, e confesso que estou gostando bastante do jogo, também. Quando terminá-lo, trago meus comentários e minhas opiniões para o blog.
E vocês, o que acharam desses dois jogos?

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 10 [Web Novela]


A loucura contagia: se abre num leque de cotidianos, se perde numa epidemia de espirros asmáticos, se foca numa multidão silenciosa de gritantes solitários, se cala na mais clara das noites e no mais escuro dos sóis. Ela percorre o ar, acasala com o oxigênio e, a todos aqueles que respirarem o terror de enlouquecer, nada além da loucura pode restar.”


10

MAURO ABRIU OS OLHOS E SE PERGUNTOU QUE LUGAR ERA AQUELE. Sua cabeça doía, o corpo formigava. Os olhos custavam a acostumar com a baixa iluminação. Estava numa rua cinzenta, próximo de um poste de luz, e carregava nas mãos um saco de lixo.
Havia sangue em seus dedos, vermelho e, para sua surpresa, ainda quente.
—O que aconteceu?
Antes de se desesperar, Mauro avaliou se aquilo não era um sonho. Ele podia sentir o frio da madrugada, o vento cortante de um horário em que seu corpo velho não lhe permitia caminhar nas ruas. Não era um sonho. Infelizmente, não era mais um de seus pesadelos. Era a dura e trágica realidade da sua vida.
Tentou reconstruir os últimos fatos. Lembrou-se do encontro com Daiana, e logo em seguida com Luciana. Lembrou-se do punhal que vira em sua bolsa, por mais que ela tenha negado. Lembrou-se de correr para casa e se trancar, na esperança de que o mundo pudesse mudar enquanto ele ficasse ali, quietinho. Lembrou-se de tomar um calmante pra poder dormir, de sentar-se em frente à televisão e de fechar os olhos para o que deveria ser somente um cochilo.
Agora, estava numa rua desconhecida, com sangue e um saco escuro nas mãos.
Levantou o saco de lixo, sentiu um peso estranho em seu interior. Não eram latas de cerveja, restos de comida ou pedaços de papel, como de costume. Era outra coisa. Aproveitando-se da luz do poste, Mauro olhou para suas mãos, confirmando o escarlate do sangue que ali se encontrava. Temeu o pior.
—O que eu fiz? —perguntou para si mesmo.
Sua voz estava irreconhecível.
Ele se agachou, trêmulo, e desfez o nó que lacrava o saco de lixo. Com o maior receio que sentiu por toda sua vida, olhou o conteúdo daquele pesadelo e, quando o cheiro lhe agraciou as narinas, vomitou na calçada como um bêbado que acaba de sair de uma festa.
Eram gatos.
Três deles, todos escuros e de pelugem maltrapilha. Gatos de rua, daqueles que sobem nos telhados das casas e miam a noite toda, incomodando o sono dos insones. Os três animais estavam mortos, mas todos ainda sangravam.
—Puta merda! —exclamou, limpando o vômito dos lábios.
Olhou para os lados, não viu ninguém, constatou que estava sozinho naquele local. Sentia-se um criminoso, um assassino. Encontrou uma caçamba próxima a uma construção, jogou os corpos dos gatos lá dentro e, sem demoras, correu para sua casa, apavorado.
Sentia como se a rua o observasse em desaprovação. Os prédios, as casas, as lojas e os postes, todos eles lançavam olhares perversos na direção de Mauro, que corria cabisbaixo, trêmulo e suando frio. O mundo parecia frio demais para que ele pudesse resistir àquele pavor. Por vezes, sentiu o vento pesar contra seu corpo, forçando-o a desistir de correr, de fugir, como se buscasse aprisioná-lo no lugar até que alguém o encontrasse ali, naquela situação inóspita, e o incriminasse por algo que ele não se lembrava de fazer.
—O que foi que eu fiz? —ele se perguntava, mas não sabia.
Talvez fosse sonambulismo. Não, não era possível que alguém com tal doença deixasse sua casa para trás e alcançasse um lugar distante como aquele, àquela hora da madrugada, sem atrair atenção alguma de possíveis meliantes ou pedintes. Estaria ficando louco? Sim, isso era bastante provável. Louco, cada vez mais, sem perceber. Enlouquecia pela ausência, pela saudade, pela solidão. Enlouquecia ao ver sua vida se reprimir daquele modo, por se enclausurar em sua moradia e se destruir pouco a pouco com pensamentos de intensa angústia.
Enlouquecia, e a loucura o cegava a ponto de agir sem notar.
—O que foi que eu fiz? —repetia, balbuciando.
Pensou se, em dias anteriores, aquilo já havia acontecido. Talvez ele tivesse agido sem se recordar. Talvez não tenha acordado a ponto de se ver ali, num lugar diferente, antes de retornar para sua casa e fingir que nada de absurdo tinha ocorrido.
Olhava para suas mãos e via o sangue de três felinos, e aquela visão castigava seus pensamentos.
E se ele tivesse... Não, isso não poderia ser verdade?
Poderia?
Correu, alvejado pelos olhares de todos os prédios, de toda a noite. Por vezes, gritava algo repulsivo, incompreensível e doloroso. Alguns destes gritos eram traduzíveis:
—Não fui eu. Eu juro, não fui eu, eu não me lembro de nada! Eu não matei ninguém, eu não matei nenhum animal. Eu não matei... Eu não...
Elizabeth.
E se ele fosse o responsável por sua morte?
—Não —sacudindo a cabeça.
Mas ele poderia muito bem ter se esquecido...
—Não é possível... —com as mãos sobre os ouvidos, tentando extinguir a voz que lhe gritava as dores, mas a voz vinha de dentro de sua mente.
Ele poderia muito bem ser o responsável pela morte de sua própria filha.
—Não! —aos gritos. —Eu não fiz nada, eu juro...
Choramingava. Buscava nas memórias algo que lhe permitisse acreditar em sua inocência, mas talvez não houvesse inocência para acreditar.
—Eu não faria...
Ele não. Mas e esse outro homem? Esse homem sem nome, sem identidade, que se ausenta de sua casa no meio da noite para acabar com a vida de três bichanos? Talvez ele fizesse.
—Sou apenas eu, mais ninguém, e eu jamais faria!
De quem estava se defendendo? Pra quem estava tentando provar alguma coisa?
—Não fiz...
Para si mesmo?
—Eu não...
Para o mundo?
—Não...
Para ninguém. Só precisava acreditar. Precisava ser inocente. Precisava enxergar facas nas bolsas de outras pessoas, enxergar em pais mais velhos possíveis assassinos de garotinhas, coisas assim.
Precisava culpar alguém para que pudesse se livrar da culpa.
Enfim chegara a sua casa. Trombou em um homem de roupas sociais, não teve coragem de olhá-lo nos olhos. O estranho perguntou alguma coisa, Mauro não respondeu. Pediu desculpas, acenou com uma mesura, baixou os olhos e entrou. Por um instante, teve a impressão de ver o estranho com as mãos sujas de sangue, mas deixou de acreditar no que seus olhos mostravam.
Eles procuravam um culpado, e o culpado poderia muito bem estar escondido no espelho.
Mauro fechou a porta, trancou-a de todas as formas, empurrou os sofás e os armários contra a única saída. Ofegava. Correu para o banheiro, derrubou quadros e móveis no caminho, escancarou o armário da pia buscado o sabonete rosado com cheiro de morango. Lavou as mãos por longos minutos, tentando desesperadamente se livrar do sangue dos gatos que matara sem perceber. Livrou-se da sujeira, mas e a culpa? Ela ficaria ali, para sempre. Água ou espuma não seriam fortes o suficiente para limpá-lo de suas atitudes. Nada seria.
Mas ele precisava ser forte o suficiente.
Ele necessitava.
Jogou-se num dos sofás, só então percebeu que chorava aos soluços. Tentou se acalmar, falhou miseravelmente. Era um fracasso como homem, um fracasso como pessoa. Era um desastre como marido, uma tragédia como pai. Não era nada, nunca seria. Fraquejava, os braços trêmulos, as mãos buscando cobrir os olhos para evitar o choque da realidade.
Alguém bateu à porta, Mauro chorou, assustado. Como uma criança. Uma criança desesperada, terrivelmente magoada após perder numa brincadeira que ela não mais poderia participar.
Batidas, outra vez. Mais fortes. Mais rápidas.
—Não tem ninguém aqui! —gritou ele.
A cabeça girou no lugar. A visão ficou turva, confusa. Sua cabeça latejou.
—Não tem ninguém! —tentou outra vez, mas não teve certeza se sua voz realmente saiu de sua garganta.
As batidas persistiram, ele agonizou. Cobriu os olhos, tudo ficou escuro, escuro como nunca antes tinha ficado. O mundo se moveu rápido demais, Mauro se sentiu zonzo. O sofá deixou de parecer confortável. Sua casa deixou de parecer segura. Sua vida deixou de parecer real. Era como um pesadelo eterno.
—Não tem ninguém —murmurou, e sua voz soou sozinha.
Estava outra vez na rua, em frente à própria casa. Ao seu lado, uma faca grande, como a que vira na bolsa de Luciana, ou que acreditou ter visto. Havia sangue em sua lâmina, sangue fresco.
Não era sangue de gatos.
—O que foi que eu fiz? —balbuciou Mauro, incrédulo, oscilante, sentindo como se o chão abaixo de seus pés tivesse desaparecido por completo.
Sem forças, entrou em sua casa, montou as barreiras que lhe protegeriam e tomou cinco comprimidos do mais forte calmante que encontrou em seu banheiro, antes de adormecer como uma princesa enfeitiçada por uma bruxa.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 9 [Web Novela]

9

A PRAÇA PARECIA BASTANTE CONVIDATIVA PARA MAURO. Nos dias que se seguiram, ganhou o hábito de se sentar ali, no mesmo banco, e observar as mesmas pessoas, em suma crianças. Algumas famílias estavam sempre por lá, outras variavam. O cenário era o mesmo, a paisagem era idêntica, mas o conteúdo do quadro se alterava todos os dias, mesmo que somente em peças de roupas, e ele acreditava que jamais fosse se cansar de admirar aquela pintura de realidade.
Luciana ligou por mais dois dias, então desistiu. Deixou algumas mensagens na caixa de entrada, mas Mauro não as leu. Tinha medo de se encontrar com ela. Tinha medo de seguir em frente.
Felipe tentou ligar, bem como Rubens. Mauro não queria falar com ninguém. Recebeu em sua casa, pelo correio, o acerto de sua demissão por justa causa, e assinou o termo recebido sem demora. Jogou-o por sob a porta de entrada do escritório e jurou que nunca mais voltaria àquele lugar.
Estava livre, de alguma maneira. Sentado naquele mesmo banco dia após dia, acorrentado ao passado e às desgraças de sua vida, mas livre. Livre para voar sem asas, para correr numa cadeira de rodas. Livre numa prisão, mas livre.
—Se sente melhor?
Daiana se sentou ao seu lado. Usava um vestido florido e suave, o qual ele reconheceu de imediato como um presente que lhe dera durante o casamento.
—Sim —mas repensou. —Não. Talvez tenha melhorado, mas não me sinto assim. Acho que nem me sinto mais, pra ser sincero.
Ela sorriu, como amiga.
—Está olhando as crianças?
Mauro não respondeu. Também não sabia o quê estava olhando todo esse tempo.
—É engraçado, não é? —começou Daiana. —Um dia, fomos nós assim, como pais bobos. —Ela apontava um casal que corria atrás de um garoto de boné. —Elizabeth aprontava bastante. Sempre soube se divertir e nos cansar. Era uma garota de ouro.
—Ouro esse que foi tirado de nós. De mim. Roubado.
Daiana suspirou.
—Tem um remédio que resolve tudo: o tempo. Ele passa. Faz o mundo girar e a cabeça envelhecer. Cabeças velhas esquecem as coisas mais rápido. É a única vantagem de ficar mais velho.
—Eu já sou velho demais, Daiana.
—Então precisa envelhecer mais, pra aprender a deixar as coisas para trás.
Mauro tentou engolir cada uma das palavras que proferiu antes que elas escapassem de sua boca, mas não pôde evitar:
—Como posso deixar as coisas para trás se você continua a me perseguir assim? Como eu posso me livrar do passado se ele invade a minha casa nas horas vagas? A minha vida tá uma merda, Daiana, e te encontrar toda semana não tem ajudado em nada. Se quer me ajudar, se quer mesmo me ajudar, some, desaparece. Eu não tô legal. Eu nunca estive depois que você partiu. Eu sinto sua falta...
Daiana o observava sem palavras. Ao fim do discurso, ela se levantou, calada. Deixou um sorriso transparecer em seu rosto, tocou os ombros de Mauro por duas vezes, num gesto de carinho, e partiu sem olhar para trás.
—Daiana, espera!
Mas, obviamente, ela não esperou, e logo desapareceu na praça.
—Você podia ter me ligado, não é?
A voz de Luciana assustou Mauro.
—Como me encontrou?
—Por acaso. Várias vezes, vários dias, sempre no mesmo lugar. Acho que eu aprendi sua rotina.
Mauro se perguntava se Luciana tinha visto Daiana ao seu lado, no banco. Resolveu fingir-se de desentendido até que ela tocasse no assunto, se tocasse.
—Tem me seguido?
—Tenho te ligado —ela soltou como um trovão. —Bastante, devo admitir. Aí você me rejeita, pensando que eu sou daquelas que se apaixona e quer ter uma família de maneira desesperada. Eu só estava preocupada contigo, seu idiota. Queria saber como você estava. Você foi demitido, sabia?
—Sim, eu sei. Recebi os documentos em casa, deixei o termo assinado embaixo da porta do escritório. Não vou voltar mais lá.
—Tá feliz com isso?
—Estou indiferente. Isso deve ser bom. Ultimamente, tudo me deixa abatido. Se isso não mexeu comigo, deve ser um bom sinal.
—O Rubens ficou doido.
—Felipe me contou.
—Então com ele você fala, né?
Mauro se arrependeu de ter dito aquilo.
—Falei. Uma vez, só. Bebemos um pouco.
—Só espero que não tenha acordado no apartamento dele sem suas calças —disse ela, forçando um sorriso. —Eu tenho uma coisa pra você.
Luciana depositou sua bolsa de couro escuro sobre o banco e começou a revirá-la, buscando por algo específico. Mauro se permitiu observar por um só instante a bolsa de Luciana, que não tinha nada de organizada como ele esperava. Por um único momento, teve a impressão de enxergar lá dentro um objeto metálico e longo, como um punhal, mas Luciana pareceu notar seus olhos, escondendo a bolsa de imediato.
—É pra ser uma surpresa, sabia? —disse ela, claramente mascarando o desconforto de uma situação que notara.
—Isso é uma faca?
A pergunta pegou Luciana de surpresa.
—O que disse?
—Você tem uma faca na bolsa?
Ela hesitou.
—Tá me acusando de algo, Mauro? Porque eu sinceramente não consigo acreditar que tá fazendo isso assim, numa praça pública!
—Por que você tem uma faca na sua bolsa? —Mauro se lembrava das mortes das garotas, em especial a de sua filha, a qual teve a infelicidade de se deslumbrar com o corpo. Facadas. —Me diz, Luciana, por que você tem uma faca na sua bolsa?!
Algumas pessoas nas proximidades ouviram. Uns disfarçaram, outros se mostraram interessados ou com medo.
—Não tem uma faca aqui, Mauro —Luciana contou, com calma.
—Eu vi, eu juro que vi!
Ela jogou a bolsa em sua direção.
—Então olha outra vez, com atenção, e me diz se encontrar alguma coisa.
Mauro olhava para aquela bolsa com medo e desprezo nos olhos.
—Vou pra casa —disse ele, se levantando com rispidez. —Não me liga mais, sério, me deixa em paz!
Ele se afastou caminhando, de início, mas logo se viu correr para longe de Luciana, que ficou ali, somente observando até que Mauro desaparecesse nas ruas.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 8 [Web Novela]

8

HÁ MUITAS COISAS PARA SE OBSERVAR NUMA TARDE. Ainda mais quando se senta no banco de madeira de uma praça movimentada.
Toda cidade tem sua praça movimentada. Ali não era diferente. Mauro estava sentado ali, num dos bancos, com os braços unidos sobre as pernas e a mente vagueando como uma nuvem carregada num tufão. E, dentre todas as coisas que ele poderia observar, escolheu meninas para isso.
Pensava em Daiana. Ele a beijara pouco tempo antes, e ela estranhou sua reação. Não disseram mais nada. Ela foi embora, ele permitiu. Talvez ela nunca mais voltasse. Quem saberia dizer? Ele não esperava por isso. Ele a odiava, é. Lutava consigo mesmo para inserir essa ideia em sua mente. Lutava contra o universo para acreditar que um dia seria capaz de aceitar tal fato.
Enquanto pensava em Daiana, Mauro observava meninas. Havia um assassino à solta, ou assim diziam os jornais. Um homem que matava crianças do sexo feminino. Um monstro que estripava garotinhas. Um ser desprezível, como uma fera animalesca e faminta em busca da carne que saciaria sua fome. Um demônio.
Olhando garotas, Mauro se sentiu como o monstro em pessoa. Será que era assim que ele fazia? Sentava num lugar de grande movimento, num fim de tarde ou numa manhã de domingo, e escolhia sua vítima? Lá estava uma garota de vestido vermelho segurando um balão, acompanhada da mãe. Ele a seguiria até sua casa, estudaria a rotina e, no primeiro momento de fraqueza, findaria sua vida? Era estranho imaginar assim. E a coisa só piorava conforme Mauro tentava entender o que motivaria alguém a agir assim.
Olhava, às vezes, para o celular. O relógio mostrava que ele já estava algumas horas atrasado para seu trabalho. Não pretendia ir, não mesmo. Ali, na tela, marcavam-se cinco ligações de Rubens, bem como algumas mensagens com ofensas abusivas. Ao lado delas, algumas ligações de Luciana. Ela também escrevera algumas mensagens, mas Mauro não teve coragem de lê-las. Por último, uma única ligação de Felipe.
Mauro ligou de volta para ele, mas o telefone chamou e chamou. Ele estava trabalhando naquele momento. Não ligaria de volta.
Para surpresa de Mauro, Felipe ligou.
—Alô?
—Mauro? Cara, tu é louco? O Rubão tá puto contigo! Ele quer arrancar a sua pele, tinha que ver como ele bufava!
—Que pena.
—Qual é cara, o que tá acontecendo? Cadê aquele maluco que sentava no bar do meu lado e bebia até cantar as garçonetes com músicas bregas?
—Deve ter morrido junto com Elizabeth...
—Mauro, ergue essa cabeça cara! Até quando você pretende ficar assim?
Mauro não soube responder.
—Você não deveria estar no trabalho? —perguntou ele.
—Sim, deveria, mas eu escapei. Tinha um atestado na manga, resolvi usá-lo hoje, sabe como é: tem um parceiro precisando de companhia.
—É, nisso você tá certo. Eu vou até aí ou você vem me encontrar?
—Aparece aqui. Tem um vinho esperando pela gente.
—Não me leva a mal não, mas nem tem como eu beber.
—Você quem sabe.
Mauro foi andando até o apartamento de Felipe, que não era tão longe. Três dormitórios com suíte, piscina, hidromassagem, sauna, academia e playground, tudo isso para um cara sozinho e sem filhos. Algumas pessoas gostavam de esbanjar. Outras, como Mauro, apenas as invejam.
—Entra aí —disse Felipe, abrindo a porta. Vestia um calção de banho e um chinelo.
—Dá licença.
Mauro se sentou no sofá, recusando educadamente uma taça de vinho que já estava disposta ao seu lado.
—Bebi demais por um mês —contou ele.
—Quando isso?
—Ontem. Com a Luciana. Ela foi trabalhar hoje?
—Foi sim, mas tava com uma cara péssima! Agora eu já sei o que aconteceu. Mas diz aí, o que rolou? Vocês saíram? Ela é uma ruiva e tanto hein!
—Eu não me lembro direito, cara. Ela me convidou, eu aceitei, bebemos muito e... Sei lá. Acordei na casa dela sem calças, e talvez isso devesse ser um bom sinal, mas não me alegra. Ela tava na cama de solteiro e eu no chão.
—Mas rolou algo ou não?
—Não faço ideia.
—E ela?
—Muito menos.
Felipe coçou o queixo, pensativo.
—Ela não parecia muito alegre não, se quer saber —começou ele. —Talvez você tenha falhado na hora, vai saber. —Mauro lançou um olhar sombrio para Felipe, que apenas riu em deboche. —Relaxa cara, é só brincadeira. Mas por essa eu não esperava, tenho que admitir.
—Imagina se eu esperava...
Felipe bebericou o vinho.
—E quanto às mortes?
Mauro estranhou.
—Que mortes?
—As garotas. Você não assiste televisão?
—Mais uma?
Felipe fez que sim com a cabeça. Procurou com as mãos por um jornal amassado que estava embaixo de suas pernas e jogou-o na direção de Mauro. A manchete falava sobre a morte de uma terceira garota, aos mesmos moldes de Elizabeth e Júlia.
—Acho que ela se chamava Clara, ou Carol, algo assim —contou Felipe, tentando recolher detalhes da reportagem que vira na mídia. —Foi encontrada num parque, na madrugada de ontem. O desgraçado tirou ela da própria casa e arrastou até os brinquedos. Provavelmente foi lá que ele a viu pela primeira vez. Só sei que, depois de esfaqueá-la inúmeras vezes, o cara ainda amarrou a garota no balanço e deixou ela se arrastar de um lado para o outro, na areia. Acho que nem preciso comentar sobre como ela ficou...
—Maldito —praguejou Mauro, apertando o jornal nas mãos, mais especificamente o retrato da terceira garota assassinada. —Acha mesmo que essas mortes estão relacionadas?
Felipe deu de ombros.
—Quem sabe? Tudo pode estar relacionado. Às vezes o mundo nos prega umas peças, sabe? As garotas, sua filha, sua depressão... Tudo pode estar relacionado.
—Do que tá falando?
Felipe riu, sem graça.
—Sei lá, cara. Acho que tentei fazer uma piada, mas seu humor não tá muito bom.
Mauro baixou os olhos, desanimado.
—Eu tenho medo, Felipe —contou ele. —Tenho medo de não conseguir passar por isso, de não ter forças para me levantar. Essa queda doeu demais.
—Você ficou assim quando... Daiana... bom, você sabe. Foi difícil, eu me lembro, mas no final deu tudo certo.
—Não deu nada certo. Eu nunca superei aquilo, nunca. Nunca aceitei que ela me deixou.
—Mas aprendeu a conviver com isso, o que dá na mesma. Acho que dá pra levar, Maurão, não me leva a mal. A gente segue com uns tropeços constantes, mas tudo é passageiro. Tudo fica para trás um dia.
—Eu não sei... —Mauro pensou um pouco, em silêncio. —Daiana tem me visitado.
Felipe se assustou.
—Como assim? —perguntou ele, atônito.
—Ela apareceu no enterro de Elizabeth. Jurava que ela não estaria lá, mas estava. Falou comigo, depois foi embora. Achei que era só isso, mas ela tá me seguindo. Invadiu a minha casa duas vezes. Disse que ainda tinha a chave, mas eu já troquei as fechaduras. Dei um beijo nela ontem.
Os olhos de Felipe mostravam um visível desespero em seu semblante, mas ele nada disse.
—Eu sei, parece loucura, mas eu não pude me controlar —contou Mauro. —Eu... Eu ainda a amo. Por isso não atendo Luciana. Por falar nisso, olha ela me ligando outra vez.
—Devia tentar atender —disse ao amigo, acabando com seu vinho de uma só vez. —Talvez você precise disso: uma mulher. Outra mulher. Não Daiana. Se livra do passado, segue em frente. Enquanto se acorrentar em memórias, vai viver delas, e o mundo não te espera pra girar.
O celular vibrou até a chamada de Luciana cair.
—Você tem razão. Talvez eu deva tentar.
—É. Eu sempre tenho razão.
Mauro sorriu, mais por educação do que por graça. Aceitou um único gole de vinho, para evitar a desfeita, e se despediu do amigo. Felipe ainda o olhava com estranheza, como se algo em suas palavras fizesse com que o amigo o visse como um louco.
Quando no exterior do apartamento, Mauro recebeu novamente uma ligação de Luciana. O celular tocou uma, duas, três vezes. Ele prometeu a si mesmo que atenderia, mas não o fez.
Desligou e seguiu em frente.

sábado, 29 de junho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 7 [ Web Novela]

7

A CABEÇA DE MAURO PARECIA UMA BOMBA PRESTES A EXPLODIR. Em alguns momentos, parecia que já tinha explodido dias atrás. Ele abriu os olhos com dificuldade, sonolento e atordoado pela noite anterior. Tentava se lembrar, em vão. Lembrava-se de um sonho ruim, uma ligação, um drinque sem nome e só.
Olhando ao redor, Mauro não reconheceu o ambiente. Estava ao lado de uma cama de solteiro desarrumada, deitado num travesseiro atirado num canto qualquer do quarto. Era um cômodo pequeno, abafado e claustrofóbico, com livros demais e conforto de menos, mas ainda assim agradável.
Alguém dormia sobre a cama, com os braços e as pernas à mostra, em posições nada atraentes. Luciana vestia uma camisola translúcida, e seus cabelos estavam desajeitados. Mauro percebeu que nunca a vira daquela maneira antes. Olhando assim, ela parecia bonita. Bonita demais, até. Mais do que as roupas do cotidiano empresarial permitiam que ela parecesse.
Nada explicava aquela situação, no entanto.
—Luciana —chamou ele, tocando nos braços da companheira com certo receio. —Luciana, acorde.
Ela deixou escapar um grunhido preguiçoso, revirando-se na cama.
—Que horas são? —perguntou, zonza e sem abrir os olhos.
Mauro procurou o celular nas calças. Surpreendeu-se ao ver que não as vestia. Demorou alguns segundos para visualizar suas roupas no chão, e tirou de lá o aparelho que mostrava um relógio digital na tela.
—São quase uma da tarde —respondeu ele. —Você tá bem?
Só então Luciana entendeu que havia alguém em seu quarto. Um homem, para ser mais exato. Um homem que ela conhecia.
—Mauro! —ela se sentou na cama, puxando as cobertas para sobre o corpo com um movimento ríspido. —Como —
—Eu também não sei —interveio ele. —Acho que bebemos demais ontem. Me desculpe por isso.
—Não, não precisa. Tá tudo bem. Eu também bebi. Sou grandinha pra saber que tenho que arcar com as responsabilidades do que fiz.
—Mesmo quando a gente nem sabe o que fez.
Luciana riu, mas Mauro não tinha feito uma piada.
—Você... se arrepende?
A pergunta feita pela secretária soou estranha para Mauro.
—Como assim?
—Não sei. Você só não parece feliz, como os homens geralmente ficam depois... disso, sabe? Você me entende. Tá arrependido ou algo assim?
Mauro poderia responder qualquer coisa, mas o ímpeto fez com que sua escolha de palavras fosse a pior possível.
—Eu sequer me recordo do que fiz ontem. Não posso me arrepender por algo assim, nem me apaixonar. Me desculpa, sério mesmo. Preciso ir embora.
—Me deixa te fazer um café, eu juro que —
—Eu estou bem —interrompeu ele, levantando-se e vestindo suas calças. —Posso me virar sozinho. Você devia aproveitar pra descansar também. Logo  mais terá que trabalhar.
—Mas e você?
—Eu não vou. Não hoje, talvez nunca mais. Não estou me sentindo bem. Até logo, Luciana.
Pegando seus pertences, Mauro deixou o quarto de Luciana para trás e sentiu a luz do dia queimar sua vista quando seus pés tocaram a calçada. As ruas estavam movimentadas, mas não para ele. Tudo era silencioso, vazio, irreal. Mauro vivia sozinho num mundo que não fazia sentido. Pior ainda: vivia na solidão de um mundo que, se fizesse sentido, o mataria.
Caminhou até sua casa com uma sensação estranha. Por várias vezes pegou-se olhando para trás e para os lados, como se alguém o perseguisse, mas não havia ninguém ali. Ninguém além daquelas pessoas que não o notavam, além daqueles rostos que ele não sabia nomear. Ninguém.
Entrou em sua casa e, pela primeira vez desde que deixara a casa de Luciana, viu um rosto que o fez prender a respiração.
Daiana.
—Divertindo-se nas noites, Mauro? —perguntou a mulher, que estava sentada no sofá de sua sala com as pernas cruzadas. Usava um jeans apertado e salto alto, um contraste desnecessário.
—Isso importa agora?
Ela deu de ombros.
—Nunca importou, na verdade. Você nunca foi disso.
—Talvez eu tenha mudado.
—Por mim?
—Por não ter você.
Num instante de respiração, Mauro notou suas próprias palavras e, aos gritos, corrigiu seus pensamentos: você odeia essa mulher, você odeia essa mulher, você odeia essa mulher...
—Eu sinto muito —Daiana balbuciou, hesitante. Mesmo ela não esperava por uma resposta como aquela. Feriu como faca, aparentemente. —Talvez a noite seja uma companhia melhor do que a minha.
—Não preciso de outras companhias, Daiana. A minha vida está um caos! Não vai ser a noite, uma companheira de trabalho ou uma ex-mulher invasora de residência que vão mudar isso!
Daiana suspirou, irritadiça.
—Eu sabia que havia outra mulher na história.
—E eu sabia que tinha que trocar a fechadura... Ei, espera! —Vasculhando suas memórias, Mauro se lembrou de que já havia trocado as chaves. Como era possível que ela estivesse ali, em sua sala? —Como foi que —
—Tenho meus segredos —cortou Daiana. —A questão aqui é outra.
—É melhor parar com seus segredos, ou vai ter que dividi-los com várias lésbicas numa cela fedorenta em breve.
—Você nunca me ameaçou assim antes, sabia?
—Sei bem. Às vezes fazemos algumas coisas pela primeira vez. Tipo ser abandonado.
Daiana baixou os olhos. Ela tentou se aproximar, mas Mauro a impediu.
—Eu não sei o que você quer aqui, Daiana. Não sei o que você quer comigo, não mesmo. Só acho que você deveria ir embora. E quando digo embora, quero dizer embora mesmo. Esquecer de mim, me abandonar de vez. Já fez isso uma vez, não deve ser difícil repetir a dose. Vai embora pra nunca mais voltar.
—Isso te faria feliz?
Mauro virou-se para a geladeira, pegou a margarina e o leite e começou a preparar seu café. Ele não podia responder àquela pergunta. Sabia qual seria sua resposta.
—Você tá estranho, Mauro —começou Daiana. —Não parece mais o homem que eu conheci. Você era carinhoso, atencioso, dedicado, inteligente. Olha pra você agora? Olhe no espelho, veja o que sobrou! Você parece um rabisco se comparado à obra de arte que era! Não consigo ver isso acontecer e fingir que tá tudo bem, não dá.
Mauro se sentou e tomou seu café da manhã, calado.
—Você não sabe mesmo o que tá acontecendo, não é? —Daiana tentou outra vez, mas o silêncio foi sua resposta. —Tá legal, Mauro. Eu já entendi. Você pode ter outra mulher, pode ter seus casos e curtir suas noites. Não me importo. A escolha foi minha. Mas, se prefere realmente agir assim, recusar a ajuda que precisa e... Ah, quer saber, azar o seu. Faz como quiser.
Exausta pela tentativa, Daiana se virou, caminhando com passos pesados na direção da porta de saída.
—Só uma coisa —disse ela, os olhos ainda fixos na porta de madeira. —Essas mortes não vão parar tão cedo. Outras garotas vão morrer, você sabe como funciona. Não se envolva, por favor. Você não é um super-herói, Mauro. Tem coisas que é melhor não se meter.
Mauro se levantou, cabisbaixo. Deu passo ante passo na direção de Daiana, esticou o braço e alcançou a maçaneta da porta.
—Vai me mandar embora assim? —perguntou ela.
Ele não respondeu. Trancou a porta, puxou-a para perto de si e a beijou, chorando.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Fotografia - Mais vida

Sequenciando as fotografias, tive duas experiências gratificantes no final de semana que se passou.


No sábado, dia 24, visitei o Parque da Cidade, em São José dos Campos, muito maior do que o Parque Santos Dumont, da semana anterior. Eu já conhecia o lugar, mas confesso que o olho clínico de uma câmera e da vontade de fotografar muda todo o ambiente. Mesmo a grama parecia mais verde, e a água, ainda mais bela! E os patinhos na lagoa, posando para as fotos, foi simplesmente sensacional! Tudo emaranhado na natureza, com flores e cores, formas e vida, muita vida mesmo! Circular pela pequena trilha que o Parque da Avenida Olivo Gomes nos oferece é maravilhosamente recompensador. Respirar aquele ar puro, surpreendentemente existente no meio da grande cidade que é São José, faz com que, na medida do possível, esqueçamos que estamos imersos na floresta de concreto que é a maior cidade do Vale do Paraíba.






  
  

  



  


  


Prosseguindo com os passeios, no domingo, 25, tive a honrosa oportunidade de me embrenhar numa Caminhada Fotográfica, oferecida pelo Sesc de Taubaté, na qual coletamos experiências e conhecimento teórico e prático sobre Técnicas de Enquadramento! Mesmo os profissionais saíram caminhando e fotografando como amadores, e esse convívio com amantes das fotos foi algo que me agraciou o dia! Ao lado de minha irmã, também vidrada em fotografia, e de diversas outras pessoas com habilidades e dificuldades distintas, tiramos fotos, brincamos de edição e aprendemos bastante sobre a Regra dos Três Terços, que muito contribui para o fotógrafo que pensa em se destacar.





Voltei para casa ao término do final de semana com gostinho de quero mais, e realmente quero. Mais fotos, mais verde, mais ar puro, mais natureza, mais caminhadas fotográficas, mais parques, mais lagos, mais animais.
Mais vida.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 6 [Web Novela]

6

O SONO É TRANQUILO QUANDO ESTAMOS TRANQUILOS. Mauro não estava tranquilo, e assim, sonhava. Pesadelos, na verdade. Sonhos negros, conturbados, abstratos e surreais, porém malignos e tormentosos.
Naquele sonho, Mauro estava amarrado a uma cadeira de balanço. Ela rangia a cada movimento, empurrada por um vento que não aliviava o calor desumano que ele sentia naquele lugar. O cenário, por sua vez, era obscuro, uma mancha negra num palco alvo. Era como se a cadeira de balanço estivesse suspensa no escuro da noite, e dali Mauro podia ver as estrelas, a lua e algumas poucas nuvens de chuva.
À sua frente, algo balançava de maneira rítmica, acompanhando os rangidos da cadeira de balanço. Era uma corda surrada, amarrada ao nada, sacudindo da esquerda para a direita como um pêndulo de relógio. O tique-taque, no entanto, era um murmúrio, um ganido.
Alguém estava enforcado.
Mauro queria enxergar, mas não conseguia. Forçava os olhos, tentava ver além, o escuro não permitia. De súbito, alguém empurrou sua cadeira. Ele olhou para trás e viu mãos femininas, carinhosas e delicadas, ainda que o rosto não lhe fosse visível. Sentiu saudades daquelas mãos, daquele toque. Queria aqueles dedos em seu corpo, em sua pele, não na cadeira que lhe sustentava. Queria aquele corpo para si.
A cadeira se aproximou da pessoa enforcada. Mauro gritou, chocado.
Era sua filha.
Elizabeth fedia carniça. Sacudindo como um porco num açougue, a garota tinha cicatrizes por todo o corpo, o sangue gangrenado nos ferimentos. Sua boca guardava um sorriso asqueroso.
Mesmo que morta, ela se virou para Mauro e abriu os olhos.
—Você prometeu cuidar de mim, pai —bradou a menina, e sua voz escarrou moscas e baratas e vermes. —Você prometeu e falhou.
Mauro olhou para trás, confirmando que as mãos que empurrava sua cadeira de balanço eram de Daiana, sua antiga esposa.
—Eu pensei que você cuidaria dela quando eu não estivesse aqui —disse a mulher. —Pensei que podíamos confiar em você. Como pude me enganar assim?
Um telefone tocou no escuro.
Assustado, Mauro acordou suando frio. Era seu celular que tocava sobre a cômoda. Antes de atender, olhou as horas: pouco mais de vinte e três. Pelo tormento que o sonho lhe garantira, chutava que já seria madrugada, mas ainda era cedo.
Atendeu o número desconhecido.
—Alô?
—Mauro? —perguntou a familiar voz feminina.
—Sim. Quem fala?
—Sou eu, Luciana. Troquei meu celular na semana passada, mas não tive tempo de te passar o número novo. Aproveita a ligação pra marcar aí na sua agenda. Tudo bem?
—Acho que sim. Aconteceu alguma coisa? Meio tarde pra uma ligação casual.
—Casual? —Luciana riu em deboche. —Você saiu no meio do trabalho hoje. Rubens te mandou descansar, você sabe como aquele cara é mercenário. Não é uma ligação casual, bobinho. Eu só tô preocupada contigo. Como você tá?
—Sei lá —foi a resposta de Mauro. —Eu nem me sinto muito vivo, pra ser sincero. Tô meio estranho. O tempo passou, mas eu ainda fico vazio. Não consigo dormir tão bem, e quando durmo tenho pesadelos. Coisa de louco.
—As coisas têm sido bem loucas ultimamente. Faz o seguinte: vou passar aí na sua casa.
—Agora?
—É, agora. A gente dá uma volta, bebe alguma coisa, sabe como é. Alivia. Também não tive um dia muito legal. Rubens falou umas merdas pra mim. Ele tá estressado demais com as coisas, ultimamente.
—Não sei se serei o melhor conselheiro da noite...
—Para com isso, Mauro! Ficar trancado dentro de casa não vai resolver nada. Tô aqui na porta, desce quando estiver pronto.
—Como assim?
—Digamos que eu estava por perto —disse ela, sorrindo. —Vai descer ou não?
Mauro desligou o telefone e trocou de roupa. Vestiu uma camisa fresca, sem se preocupar com desodorante, cabelo ou sapatos novos. Desceu até o portão e deparou-se com Luciana, que aguardava com o carro ligado.
—Entra aí —disse ela.
Ele entrou, e ela dirigiu sem muitas palavras até um bar de renome local. Estacionou na esquina, desceu do carro, Mauro a acompanhou. Quando entraram, viram que a boate não estava com grande movimento, o que era bom. Não queriam uma festa imensa: queriam tranquilidade para conversar.
Luciana acenou para um garçom, que trouxe duas cervejas para a mesa dela.
—Como foi seu dia? —perguntou ela.
—Terrível. —Mauro se lembrava do velho e da garota, mas fazia um esforço imenso para reprimir aquela memória em sua mente. —Eu supero. O que aconteceu no escritório?
—Ah, o de sempre. Deixa isso pra lá. Não quero falar dos meus problemas, você sabe. É você o cara que tá meio doido por aqui.
—Claro, obrigado.
—Estamos aí. Tá se sentindo estranho por beber com uma mulher?
—Deveria?
Luciana deu de ombros.
—Sei lá. Você e o Felipe sempre saem. Quis fazer diferente dessa vez. Mostrar que você não tá sozinho. Deve fazer bem.
Mauro respondeu com dois goles de sua bebida.
—Acho que isso tá meio fraco —disse ele, olhando para a lata que tinha nas mãos.
—Tá querendo beber pra esquecer?
Ele suspirou.
—Nem bebendo eu esqueço essas coisas, sabe. Mas seria uma boa ideia.
Luciana sinalizou outra vez, mas agora o garçom trouxe dois drinques de destiladas.
—Essa deve ser forte o suficiente —brincou ela, oferecendo a Mauro o copo da bebida. Mauro provou o drinque, e algo em seu corpo grunhiu como um porco abatido.
—Que merda é essa?
—Pensei que queria algo forte —zombou Luciana.
—Quero esquecer os problemas, não o caminho de casa.
—Eu sei o caminho da sua casa. Deixa que eu cuido disso.
Mauro e Luciana beberam, sem se importar com horário ou limites, e a noite tornou-se uma criança com sérios problemas compulsivos. Pediram uma porção de fritas, mas ela não permaneceu muito tempo no estômago de Luciana, que devolveu ao próprio estabelecimento numa das viagens de minuto a minuto que ela fazia ao banheiro. Tomaram drinques diferentes, bebidas de cores fortes e vibrantes, misturaram muita coisa.
O relógio marcava alguma coisa parecida com ovelhas albina horas, e aquilo possivelmente significava que estava na hora de ir para casa.
—É melhor irmos —disse um dos dois, ou ambos, ou ninguém, mas eles foram mesmo assim.
Alguém pagou a conta, alguém abriu a porta do carro, alguém entrou primeiro e dirigiu. As ruas pareciam tortas, perdidas. O caminho mudava a cada segundo. As calçadas gemiam como monstros anormais, e os prédios urravam mais alto do que ursos buscando por filhotes desaparecidos.
O carro parou, em frente a uma casa que Luciana e Mauro não sabiam dizer de quem era.
—Você quer entrar? —um dos dois perguntou, com a voz amolecida.
—Não sei se deveria sair do carro —respondeu o outro.
—Nem eu. Vamos lá.
—Vamos sim.

O mundo girou, ouviu-se passos, toques na parede, o estrondo de alguém caindo, então silêncio. No meio do silêncio, gemidos, depois silêncio outra vez e mais nada.