sábado, 27 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 16 [Web Novela]

16

FORA DAQUELE LUGAR, SIRENES ECOAVAM COMO UM EXÉRCITO UIVANTE. Dentro, Mauro silenciava. Estava escuro e frio. Ele estava sozinho. Suas mãos estavam cobertas de sangue.
No chão, uma faca.
—Mas que —
Calou-se. Sua voz ecoava, mesmo que baixa. O lugar parecia um depósito, repleto de tralhas e de caixotes. Frestas miúdas no telhado permitiam a entrada da luz da lua, singela e calma, diferente dos batimentos cardíacos de Mauro, que pareciam o estopim bélico de uma guerra mundial.
Ele ouviu alguma coisa que pensou se tratar de um passo, um único movimento à espreita, possivelmente um observador. Baixou a silhueta, escorou-se nas madeiras que guiavam-no por uma trilha larga de entulhos, caminhou tão devagar quanto os ossos permitiam sem ranger. Alguma coisa gotejava, próxima. Mirou o som do líquido, deixando para trás a faca, a incerteza e o pavor.
Talvez não o pavor. Este sempre o seguiria.
Passos adiante, ouviu-se um crepitar. Naquele escuro, chamas miúdas e tímidas iluminavam as paredes, acesas pela força do homem, não da natureza. Madeira dos caixotes queimava com precisão, uma fogueira trabalhada na intenção de irradiar, esquentar ou confundir. Mauro se aproximou, cauteloso, e a luz lhe permitiu visualizar sombras macabras, demônios e monstros de seu subconsciente, ganchos de maquinaria de carga e empilhadeiras, suportes e plataformas, produtos e mais produtos largados às traças.
O mesmo fogo que mostrou a Mauro tantas sombras soturnas, mostrou a ele a razão do gotejar.
Dependurada no gancho de uma das máquinas, um corpo. Uma menina, outra vítima. Não mais vivia, infelizmente, sequer tentava respirar após a dor mortífera que lhe aturdira. O metal enferrujado trespassava os seios não desenvolvidos da garota, deixando-a ali, inerte a metros de altura do chão, despejando sangue fresco dos lábios e do ferimento que lhe tirara a vida. O sangue escorria sem pressa, rumando contra o solo, empoçando o escarlate abaixo dos pés de uma juventude desperdiçada pelo ócio da insanidade.
Mauro viu, para seu desespero pessoal, cortes e perfurações nas pernas e nos braços da menina. Marcas de lâmina, de faca.
Lembrou-se da faca que deixara para trás.
—Não pode ser... —murmurou ele, os olhos foscos, tão mortos quanto aquela garota.
As sirenes continuavam a vibrar no exterior do depósito. Algo estrondou, um dos portões. Tentavam arrombá-lo, invadir o local, encontrar o assassino em série que aterrorizava as meninas e as famílias da região.
Buscavam por Mauro.
Pensou em correr, mas de que adiantaria? Podia evitar a culpa dos demais, mas não a sua. Podia fingir-se de despercebido para a milícia, mas não para si mesmo. Era um assassino. Era ele o responsável pelas mortes, em sua esquizofrenia bizarra e descontrolada. Era ele o assassino de sua própria filha.
Ouviu passos.
Ao longe, mais estrondos contra os portões de chapa. Alguém disparou, possivelmente alvejando correntes e cadeados. Estavam chegando mais perto.
—Eu vou me entregar.
Mauro olhou ao redor. Sentia-se observado, perseguido. Sentia-se louco.
—Eu preciso me entregar.
Então tudo passaria. Mas não se sentia culpado. Sentia-se mal pelas mortes, fechava os olhos para tentar se recordar, para poder se incriminar por tantos crimes, mas falhava. Nada em sua mente permitia que ele visualizasse assassinatos e banhos de sangue. Nada.
Passos.
As sirenes continuavam, faziam música. Os passos eram um toque saboroso, tamborilando em meio a melodia dos uivos mecânicos das viaturas. Mauro tentou contar, de acordo com o som, quantos carros de polícia estariam ali, à sua procura, mas era incapaz de deduzir. Três, quatro? Vinte?
Era um assassino em série, um criminoso de elite. Sua pena não caberia em anos. Prisão perpétua não parecia uma opção razoavelmente aceitável. Era a morte. O fim, a solução. Morte a ele, morte a seu passado, a seus erros.
Talvez morrer não fosse tão ruim.
Passos.
Algo arrastava no chão. As sirenes ululavam. Os passos aumentavam e diminuíam. O sangue da garota empoçava o local. O vento se chocava contra as paredes metálicas. Os caixotes rangiam.
Mauro choramingava, sem perceber.
Tudo aquilo era música.
Os passos pararam. Havia alguém ali, em algum lugar. Mauro observou, tentou encontrar quem o observava, inexistia. Arriscou caminhar, fugir do caçador, entregar-se á prisão ou á morte, tropeçou em seu fracasso, em sua loucura, cedeu de joelhos, fraquejando. Quedou, o queixo tocou o solo, os dentes cerraram um aperto apreensivo. A pele sentia o frio, o coração congelava. A garganta doía ao engolir a própria saliva, como se o líquido pudesse cortar, ferir, mas o que feria era o medo.
—Mauro.
A voz o chamou, no escuro. Era familiar. Masculina, presente. Atrás dela, sirenes e pancadas nos portões, cada vez mais perto, cada vez mais assustadoras.
—Quem está aí?
A silhueta estava ali, no alcance da visão. Familiar, irreconhecível no breu do depósito. Passos, sirenes, goteiras de sangue, ranger das caixas; tudo misturava-se ao urro estridente do silencioso pânico de Mauro.
—Quem está aí? —repetiu ele.
Frestas no telhado deixaram que a luz entrasse, e ela entrou, iluminou e soprou um feixe de verdade naquela paisagem obscura. A loucura de Mauro se confundiu, criou imagens e formas satânicas atrás daquela presença. Forçou os olhos, se concentrou, não acreditou no que via.
Felipe.
—Felipe?
Sem resposta.
A silhueta do amigo se moveu, vagarosa.
—O que você tá fazendo aqui? —perguntou Mauro, sem entender.
—Eu segui você —contou ele. —Se acalme. Está tudo bem, ok? Eu te segui. Estava preocupado.
—Você... viu, não viu?
Felipe lançou-se à luz, aparecendo por completo no luar. Suas roupas estavam manchadas de sangue. Ele ofegava.
—Eu vi —respondeu. —É, eu vi tudo.
—Então me conte. Por favor, eu preciso saber, preciso ter certeza. Me conte o que viu, Felipe.
O amigo respirou, incerto do que fazer.
—Não.
—Me conte. Eu matei essa garota, não é? Eu matei todas elas. Eu sou um assassino. Eu sou um assassino!
A última frase de Mauro estrondou como um trovão naquele depósito. Insanidade sonora se dispersou por todas as paredes, debateu-se no teto e no solo, voltou de encontro à confusão dos olhares.
—Mauro, se acalme —com toda tranquilidade e paciência do mundo.
—Me acalmar? Me acalmar?! Como é que eu posso ficar calmo?!
Os gritos ecoaram, mais altos que as sirenes. Os estrondos no metal continuavam. Mauro podia ouvir as vozes dos policiais. Eram muitas, amedrontadas, raivosas. Vozes de homens, de heróis. De pais.
Pais que odiavam um assassino de garotas inocentes.
—Eles estão atrás de mim —continuou ele. —Eles vieram me pegar. Vieram pegar o assassino, o maldito assassino que ferrou a cidade toda!
—Vou te ajudar, cara, é sério.
—Me ajudar? —Mauro riu, debochado. —Eu não quero ajuda! Não quero fugir! Quero ficar aqui, esperando por eles. Quero gritar e esperar que me fuzilem com aquelas pistolas de merda. Quanto vale a minha vida, Felipe? Quanto vale a vida de um maluco que matou várias crianças?!
Felipe suspirou, preocupado. Arriscou um ou dois passos, parou mais uma vez.
—O importante é que você se acalme, agora. Me deixa te ajudar. Venha cá, Maurão, eu prometo que vai ficar tudo bem.
—Não tem nada pra ficar bem, merda! A minha vida já tá toda ferrada! Eu matei a minha esposa! Matei a minha filha, e sei lá quantas outras meninas depois. Como espera que —
—MAURO, SE ACALMA!
O grito assustou. Reinou o silêncio, destruído por sirenes, passos velozes e estrondos metálicos. Outro disparo, um cadeado cedeu. A passagem estava aberta, disponível. O fim estava próximo.
—Fica parado —disse Felipe. —Eu só quero te ajudar!
Um passo, mais outro. A lua o tocou mais uma vez. Mauro viu que ele tinha sangue nos braços e no rosto. O ferimento no ombro estava aberto, desprotegido, lembrava um corte. Em sua mão, uma faca.
—Espera aí —Mauro tentou, mas Felipe não esperou por seus pensamentos. Num movimento ríspido, veloz demais para que o desespero de Mauro previsse, Felipe saltou sobre seu corpo, derrubou-o ao chão com seu peso, imobilizou suas pernas e seus braços. —O que tá fazendo?!
Pavor.
Nos olhos de Felipe, loucura.
Loucura igual à de Mauro, talvez maior.
Uma loucura falsa, enganosa, como veneno de víbora, como espinhos nas mais belas rosas.
—Eu adoro a sua memória, cara —sorriu Felipe, e seus dentes pareceram amarelados, pontiagudos e malignos na mente conturbada de Mauro. —Ela sempre me ajudou.
Mas, naquele pavor de momento, Mauro se lembrou. Lembrou do começo, do meio, do fim.
Lembrou de tudo.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 15 [Web Novela]

15

HAVIA UMA CORDA NAS MÃOS DE MAURO, UMA CORDA QUE RESOLVERIA SEUS PROBLEMAS. Sentado em sua casa, em sua cama, ele chorava. A cabeça rodopiava, intercalando cenas do corpo estripado de sua filha, do acidente sabotado de sua ex-mulher, do suicídio inexplicável de Luciana.
Pensava na tortura a que sua filha fora submetida antes de desfalecer. Pensava na inocência de Daiana ao acelerar o carro que ele modificara previamente. Pensava na criança carregada pela mulher que se debatia nos fios de cobre de um poste de iluminação.
—Eu vou me entregar à polícia.
Falou para si mesmo. Estava sozinho. Sempre esteve sozinho. Sempre.
—Vou confessar.
Confessaria um crime de anos atrás, e também todos esses outros. Não sabia se era o assassino das garotas, mas sabia que não se conhecia mais. Podia matar, podia morrer. Não se importava.
Pegou o telefone.
—Eu preciso me entregar.
O espelho refletia suas olheiras. Estava mais magro. Sua boca estava rachada pelo stress. Seus olhos estavam vermelhos pelo sono, mas não tinha vontade de dormir.
Discou o primeiro dos números.
Lembrava-se da faca na bolsa de Luciana.
—E se ela fosse a assassina?
Era uma hipótese. Como saber agora? Ela estava morta. Como Daiana. Como ele próprio.
Discou mais um número.
As imagens se confundiam. O corpo de Elizabeth, o acidente de Daiana, o suicídio de Luciana, o ferimento de Felipe, as atrocidades de Rubens. Três gatos mortos, sangrando. Uma rua desconhecida. Uma porta barrada por sofás e armários. Uma faca coberta de sangue. Um estranho no espelho. O beijo de uma fantasma. Tudo se misturava, sonho e realidade, loucura e medo.
Discou outro número.
—Você podia evitar tudo isso.
Daiana.
—E você podia voltar para seu lugar debaixo da terra.
Ela sorriu.
—Eu nunca saí de lá. Não sou um fantasma. Nunca estive aqui. Você me trouxe. Você me criou. Você criou tudo isso.
—Cale a boca.
—Você podia evitar tudo isso mesmo.
—VOCÊ NÃO EXISTE!
Gritou, ouviu seu grito. Estava sozinho. O espelho ria de sua loucura. Arremessou seu sapato no reflexo, estilhaçando-o.
—Respire e pense, Mauro —Daiana dizia. —Pare de mentir para si mesmo. Pare de —
—Para de me incomodar —chorou aquele homem insano, abraçando os joelhos, deixando que o telefone caísse no chão, mudo. —Para de me seguir, de me enlouquecer. Morra, Daiana. Morra de uma vez por todas.
—Eu já estou morta, queridinho. Você me matou.
—NÃO!
—Sim, e você sabe bem disso.
—Eu não... eu não me acostumei com a sua ausência. Eu nunca aceitei, nunca... nunca entenderia que você tinha me deixado. Eu precisava de você.
—Agora eu estou aqui —disse ela, os braços abertos. —Morta, mas aqui. Sua. Quer transar? Ainda posso te dar prazer. Posso ser sua para sempre, agora. Para a eternidade. Sempre bonita, com os peitos firmes e as coxas sem estrias. Quer me comer, Mauro? Elizabeth está morta, mas você pode tentar de novo! Ah, é, eu me esqueci, você já tentou. Pediu por mim, pra que eu voltasse, e transou com a primeira vagabunda que teve a oportunidade. Colocou sua semente naquela vadia, não é? E agora ela tá morta, e você, sozinho. Feliz?
Mauro gritou, jogou tudo o que tinha por perto na direção de Daiana, mas nada a atingiu. Ela não estava ali. Ela não existia, e ele sabia disso.
—Some... Some, por favor. —Era uma súplica. —Desaparece pra nunca mais voltar, pelo amor de deus...
—Eu só preciso ouvir uma coisa, Mauro.
Ele engoliu em seco.
—Eu sinto muito. Me desculpa pelo que fiz, mas eu não aguentei. Sem você, eu... Eu não era nada.
—E ainda não é nada. Mas pode ser, se quiser. Não se engane. O mundo é cruel. Você errou. Fez coisas que não devia. Coisas aconteceram, meu amor. Todas elas estão aí, na sua cabeça. Você precisa se lembrar.
—Do que você tá falando?
Daiana suspirou.
—Volte para sua mente. Tá tudo aí dentro. Se você não se lembrar, vai mentir. O mundo vai mentir. Você vai se enganar, vai se deixar levar pela maré.
—Me explica.
—Tarde demais —disse ela, sorrindo, e suas pernas desapareceram. —Agora eu vou embora, e você vai ficar sozinho. Você precisa lembrar, Mauro. Por Elizabeth.
Aquelas foram as últimas palavras de Daiana antes de desaparecer, e Mauro teve certeza de que ela nunca mais voltaria.
—Por Elizabeth... —Mauro repetiu, refletindo. Buscava em sua mente, mas nada encontrava. —Por Elizabeth... —Aquilo só podia significar uma coisa: era ele. O assassino, o culpado. Era ele. Sua mente pregava peças, sua loucura o enganava. Daiana o alertou, mas ele não conseguia enxergar.
—Fui eu —disse para o que restara do espelho. —Fui eu, não é?
O espelho não respondeu.
O mundo ao redor de Mauro pareceu confuso. Ele ouvia gritos, ouvia murmúrios, ouvia súplicas de sobrevivência. Alguém pedia para não se ferir, outra voz implorava para manter-se em pé. Uma garota gritou. Sangue escorria das paredes, manchava o chão e o teto. As paredes ganharam olhos, fitaram-no com desaprovação, com náusea. Então ganharam bocas, e todas elas grunhiram, rangeram e gritaram, incriminando-o. Por último, ganharam braços, mãos, dedos, e tudo apontava para sua loucura, para seu veneno.
—Foi você —diziam as paredes. —Você é um assassino nojento. Você é um maldito assassino!
Mauro cobriu seus ouvidos, fechou os olhos, lacrou a boca e se debateu no colchão. Seu corpo doía, sua cabeça era como um vulcão tomado por magma. Queria gritar, queria saltar da janela, queria correr nas ruas até que um carro o atingisse. Queria ficar ali, se esquecer de tudo, fingir que o mundo era o paraíso e não o inferno. Queria sumir, parar na lua, morrer sozinho como sempre viveu. Queria algo que não sabia o quê era.
—Você é um assassino de merda!
As paredes repetiam, culpando-o, mostrando a ele a verdade que sua mente escondia.
—Sim, eu sou —admitiu.
O celular tocou. Era Rubens, provavelmente já ciente da morte de Luciana. Mauro recusou a ligação, desligou seu aparelho. Haviam outras chamas perdidas e mensagens, mas ele não fez questão de lê-las. Levantou-se, foi até o banheiro, jogou o celular na privada e urinou sobre ele. Imaginava o rosto de Rubens naquele aparelho, e isso o confortou, mas quando a descarga não foi capaz de levá-lo ele percebeu que teria de se acostumar com o rosto de seu antigo patrão dentro de seu vaso sanitário para sempre.
—Beba isso, filho de uma vaca —dizia.
Rubens ria, a boca coberta de espuma.
—Vai se ferrar.
Mauro fechou a tampa, não lavou as mãos. Abriu os armários da cozinha, virou todas as panelas no chão, quebrou um a um seus pratos e seus copos. Derrubou os talheres, os pires e as xícaras, queimou as toalhas e os panos de prato. A casa cheirava a incêndio, mas ele estava seguro. Era infeliz demais para morrer.
Deitou-se, exausto. Gritou, chorou sozinho, não estava satisfeito. Então riu, gargalhou, mas não havia uma piada para lhe fazer feliz. Chorou mais uma vez, socou as paredes, o ferimento em sua mão se abriu novamente. Provou do próprio sangue, sentiu o gosto do ferro. Tentou estancar os sangramento, desistiu quando parou para admirar aquele rastro escarlate em sua pele. Lhe fez bem vê-lo, sentir-se vivo, saber que era capaz de sangrar como os homens. Ele também fora um homem um dia, não é?
Agora, não mais.
Fechou os olhos, mas ainda via cenas confusas. Felipe, Rubens, Elizabeth, Daiana, Luciana, Júlia, outras garotas assassinadas. Uma faca cortava na noite, meninas gritavam, pais choravam o desespero da perda. Ele era um dos pais. Ela era uma das meninas chorosas. Ele sentira a dor da perda. Ela fora assassinada. Assim era o fim, o final da história que não tinha o direito de ter um final feliz. As imagens se confundiam. Parte era sonho, parte pesadelo. Tudo estava misturado, rodopiando e batendo contra os seus olhos. A verdade doía como estacas. A loucura não o protegia, muito pelo contrário. A morte parecia uma solução, mas ele estava cansado demais para morrer.
De olhos fechados, Mauro apagou, sem dormir, sem descansar. Apenas saiu dali, de sua vida, de seu corpo.
Quando voltou, arrependeu-se por viver.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 14 [Web Novela]

14

PODERIA SER UM FANTASMA OU UMA ALUCINAÇÃO. Não faria diferença. Daiana não estava mais ali. Daiana não mais vivia.
Ela estava morta, e a culpa era de Mauro.
—Por isso estranhei quando você me contou sobre ela —disse Felipe, guardando a foto na gaveta outra vez. —Não era possível que ela estivesse te seguindo. Daiana está morta, Mauro. Não importa se foi você ou não. Ela está morta, então não pode estar invadindo a sua casa.
—Ela não tinhas as chaves —choramingava ele. —Ela nem estava ali. Eu a beijei... eu senti aquele beijo, Felipe.
—Você não tá legal, cara.
—A minha cabeça tá falhando. Eu... Eu acordei sem saber onde estava, um dia desses. —Mauro falava como se fosse uma confissão de um adolescente feita a um padre repleto de dogmas religiosos. —Acordei nas ruas, com gatos mortos nas mãos.
—Que nojo!
—É sério, merda! Eu não me lembro de ter matado esses bichos! Não me lembro de andar até lá, não me lembro de nada.
—Como não se lembrava da morte de Daiana.
Mauro fez que sim, choroso.
—Eu estou ficando louco, não é? —perguntou ele.
Felipe deu de ombros.
—Todo mundo tem um pouco de louco —respondeu ele. —Faz parte da normalidade.
Em outros momentos, Mauro riria, mas não tinha graça quando o louco era ele.
—Eu encontrei uma faca —continuando sua confissão. —Ela tinha sangue. Não sei de onde ela veio, nem para onde ela foi. Mas ela tinha sangue, Felipe, tinha sangue naquela merda de faca! Eu não me lembro de nada!
—Fica calmo, Mauro, você —
—Como ficar calmo?! —gritou ele, desesperado. —Como é que dá pra ficar calmo quando tem gente morrendo e você não sabe se é você o responsável?! Como é que eu posso ficar calmo sem saber se eu não matei a minha própria filha?!
Felipe abriu a boca na tentativa de dizer algo, mas seu semblante transpareciam surpresa e temor, e ele se calou, baixando os olhos.
—Eu vou embora —Mauro falou, e Felipe não impediu. Assistiu enquanto seu amigo se levantava e se dirigia à porta.
—Mauro —disse ele.
—O que?
—Se cuida, seu merda.
A porta se fechou, e aquilo não era uma resposta.
Mauro ganhou as ruas, rodeado por ar puro e impuro, um ar que não lhe sustentava a respiração. Sentia o peito arder, a cabeça oscilar, impactada pela desgraça que circundava sua vida.
Ele não levantava os olhos. Não tinha coragem de encarar o mundo, muito menos um espelho. Passava a passos rápidos por todas as vitrines, acelerando como se alguém o perseguisse, mas era a verdade quem o seguia. Luciana estava grávida. Daiana estava morta. Ele era um assassino. Sua filha estava morta, e ele poderia muito bem ser o culpado também. Sua vida estava um caos, completamente desregulada, sem vínculo algum com a sanidade do cotidiano. Não tinha um emprego, um amor ou uma meta. Não tinha vontades, não tinha fome ou sede, não tinha mais nada.
Não tinha salvação.
Queria a solução em uma palavra, e essa palavra era suicídio.
Alguém gritou.
Foi um grito estridente, feminino e apavorado. Ecoou por toda a rua, de esquina a esquina, quase capaz de estilhaçar as vidraças das lojas. Uma mulher apontava para cima, uma multidão de curiosos correu para observar, mães e pais cobriam os olhos de crianças ingênuas demais para a verdade imunda do universo.
Mauro não levantou os olhos. Nada nesse mundo despertaria sua curiosidade, pois nada nesse mundo poderia mudar sua vida, seus dias e sua loucura. Alguém gritou, mas ele estava em silêncio, congelado num pavor que tardaria a passar, se passasse.
Os olhos se levantaram sem vontade. Seus passos estacaram, seu corpo não respondeu. A vida paralisou por um instante, e aquela visão dizimou seus pensamentos, e o caos absurdo que o circundava pareceu uma brincadeira de criança diante daquela visão.
Uma mulher jazia dependurada nos fios de eletricidade de um poste, no meio da rua. Seu corpo sacudia como o pêndulo de um relógio, tiquetaqueando para lá e para cá, sem marcar horas ou quaisquer outras medidas. Ela apenas se movia, ia e vinha, sem pressa, sem vida. Os olhos estavam saltados, as bochechas arroxeadas pela falta de ar, o pescoço quebrado pelo tranco insuportável do suicídio. Ainda que irreconhecível, Mauro a conhecia e a reconhecia. Viu ali a paz de espírito e o caos das ideias, num mesmo lugar, numa mesma cena, num mesmo nome que se perdia na morte iminente.
Luciana.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 13 [Web Novela]

13

ÀS VEZES IMAGINAMOS A NOSSA VIDA NA BEIRA DE UM ABISMO. É a nossa chance de fazer algo para mudar tudo, para tirá-la dali, da beira do fim. É a nossa chance de evitar que toda a vida desabe de uma só vez, cedendo a todas as fraquezas.
Naquelas palavras de Luciana, Mauro viu sua vida mergulhar na escuridão.
—Como é que é?
—É isso mesmo que você ouviu —continuou Luciana. —A gente... aquela noite. Eu tô grávida. O exame não mente. Estou esperando um filho seu.
Mauro desligou o telefone.
Podia parecer frieza da parte dele, mas não era. Ele só não estava preparado para aquilo, não mesmo. Não conseguia cuidar de si mesmo, não conseguiria cuidar de Luciana, muito menos de uma criança recém-nascida.
Pensava no que Daiana faria quando soubesse...
—Não acredito nisso —dizia para si mesmo. —Eu não acredito que isso tá acontecendo, não consigo acreditar. Mauro, seu merda, o que você fez?
Deitou-se, tentou descansar, dormiu e acordou sem saber quantas horas se passaram. Revirou-se na cama, tentou fechar os olhos outra vez, os sonhos não lhe permitiram descansar. Bebeu água, tomou um banho, percebeu que não fazia isso há algum tempo. Comeu uma fruta, vomitou mais uma vez, o estômago incapaz de preservar qualquer alimento em seu interior. Deitou outra vez, fechou os olhos, viu demônios e fantasmas, teve que abri-los novamente para evitar os gritos de suas alucinações.
Inquieto como estava, Mauro precisava sair. Sua casa era pequena demais para sua angústia. Ajeitou suas coisas, vestiu a primeira roupa que encontrou, sequer se perfumou. Amarrou os cadarços, tirou os sofás e os armários da porta de entrada e saiu, deixando para trás o confinamento que lhe fazia se sentir protegido.
O ar das ruas parecia agradável, diferente dos outros dias. O céu estava limpo, as nuvens claras, o mundo, mundano. Nada parecia diferente, mas nada estava completamente igual.
Mauro andou, sem rumo, sem destino. Percebeu-se em frente à casa de Felipe. Decidiu chamá-lo.
Era um domingo, e o escritório não funcionava aos domingos. Logo Felipe estava ali, vestindo um pijama maltrapilho, com cabelos desajeitados e olhos fundos. Ele tinha esparadrapos no ombro esquerdo, como se protegesse um ferimento pequeno.
—Olha só quem resolveu aparecer —zombou ele. —Tá vivo ainda, Maurão?
—Posso entrar?
Mauro olhava para os lados às vezes, como se esperasse que a qualquer momento um monstro pudesse saltar da parede e engoli-lo.
—Claro, entra aí.
Ele entrou, com passos rápidos.
—O que aconteceu? —perguntou Mauro, apontando para o ombro de Felipe.
—Ah, isso? Eu me machuquei esses dias. Tenho estado muito distraído, sei lá. Acho que não sei lidar com amigos loucos, não mesmo.
—Tem acontecido muita coisa, Felipe, eu nem sei por onde começar.
—Então nem começa, cara. Deixa eu te perguntar uma coisa antes: tem visto a Luciana? Ela não apareceu no trabalho nesses últimos dias. O Rubens tentou ligar, mas ela não atendeu.
—Não tenho. Na verdade, nem sei se quero vê-la tão cedo, ou se posso vê-la. Eu não sei o que fazer.
—Fica calmo. Vou te ajudar a respirar.
Felipe abriu uma garrafa de vinho tinto, oferecendo uma taça para degustação de Mauro, mas ele acabou com a bebida de uma só vez.
—Não é assim que se toma vinho, você devia —
Mauro se sentou, e Felipe desistiu de ser amigável e risonho.
—Tá legal, conta aí.
—Ela tá grávida.
O vinho no copo e na boca de Felipe conheceu o toque do solo.
—Como é?
—Ela tá grávida, Felipe! A Luciana tá esperando um filho meu!
—Então tem um doidinho pra nascer? Caraca, pensei que você nem tinha executado o serviço direito, mas pelo jeito —
—Não tem graça, cara, presta atenção! —Mauro se exaltou. —Isso não podia acontecer, não mesmo! Como é que eu vou lidar com isso tudo? Como é que eu vou contar isso para...
Mauro parou, engoliu em seco.
—Contar para quem? —perguntou Felipe.
Respirando fundo com uma calma que não possuía, Felipe respondeu.
—Para Daiana.
Silêncio. Os olhos de Felipe demonstravam incerteza, receio ou desprezo, tudo misturado, como uma mistura asquerosa feita num liquidificador.
—Eu sei que não devo explicações a ela, eu sei que ela é a minha ex-mulher, eu sei! Mas cara, ela tá me perseguindo, seja lá qual for o motivo! Ela tem invadido minha casa, tem me observado, isso tá me deixando louco.
Felipe deixou a taça manchada pelo vinho sobre uma mesa no centro da sala e revirou algumas gavetas da cômoda próxima ao televisor.
—Juro que tentei fazê-la ir embora, eu juro mesmo —continuou Mauro, —mas ela insiste em ficar! Eu não aguento mais, não sei o que fazer! E se ela descobrir que Luciana tá grávida, ela... Não sei o que pode acontecer. Não faço ideia.
Sem dizer nada, Felipe se sentou ao lado de Mauro, cabisbaixo. Como um amigo, como um companheiro de horas boas e horas ruins, postou a mão sobre a perna de Mauro, como se conhecesse toda a dor da loucura que o atingia.
—Você não se lembra mesmo, não é? —disse ele. —O trauma deve ser grande demais. Parece que sumiu da sua cabeça, e eu não imagino como isso seja possível.
—Do que você tá falando?
Felipe abriu as mãos e mostrou a Mauro uma foto surrada. Ela tinha um carro em destroços, queimado por um acidente terrível.
—O que é isso? —perguntou Mauro.
—Olhe com atenção. Não acredito que você não se lembre.
Mauro se concentrou, caçou em suas lembranças por algum significado para aquela cena. Em sua mente, alguém dirigia. Uma mulher. Ela estava rápida demais, acelerando para tentar afugentar os seus problemas. O ronco do motor impediam-na de se recordar de seus erros, de suas escolhas, do caos de sua vida. Ela corria demais, pisava no limite da aceleração, via o mundo nas janelas como um borrão. O motor respondia, obedecia como um capacho suicida. Mas o motor não estava bem. Ele estava fraco. Desajeitado, perversamente desalinhado para que o desfecho não fosse outro além do planejado. Ela não sabia disso. Nunca soube. Correu, acelerou, viu o mundo deslizar como uma figura rabiscada na sulfite amarelada.
A memória se confundia. Um estrondo, uma pancada, um final infeliz ou feliz, aos pontos de vista que não se encontravam. Sangue jorrou, o fogo fez a carne cheirar a churrasco sem tempero. Ao fim, restou nada além da morte. Ela correu para a própria morte, sem saber. Mas ele sabia. Ele escolheu assim. Ele a desejava. Ele a queria para si, e ela não o aceitou. Um dia, fora dele, mas não mais. Ele não sabia perdoar. Não sabia enxergar aquilo como uma alternativa. Podia vê-la triste, mas não distante. Podia vê-la chorar, morrer, mas ainda assim ali, ao seu lado.
—Eu... me lembro agora.
Lágrimas correram pelos olhos de Mauro.
—Você me contou, um dia —disse Felipe, desanimado. —Eu não queria ter que conversar com você sobre isso, mas... você não tá bem. Não é o mesmo cara que eu conheci um dia. Sua memória tem falhado, você tá enlouquecendo.
—Fui eu —Mauro balbuciou. —Fui eu o responsável.
—Nós erramos, Mauro. Todos nós erramos um dia.
—Eu a matei! —Mauro explodiu, derrubando sua taça vazia e virando a mesa de Felipe contra o chão. —Eu... eu matei Daiana.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Resenha - O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman


Será que todos nos lembramos verdadeiramente das memórias da infância?
Em 202 páginas de seu mais novo romance adulto, Neil Gaiman nos coloca para pensar nesses detalhes. E se a nossa vida fora diferente, de alguma forma, na infância, mas a fase adulta tenha nos distanciado tanto de tais pensamentos que, hoje, sequer nos recordamos de nossa própria história? É essa a premissa de 'O Oceano no Fim do Caminho', que nos mostra, pela visão de um singelo garoto de sete anos, a fantasia de uma vida comum, que nem por isso deixa de ser fantástica.
Acompanhamos, de início, o mesmo garoto, quarenta anos mais tarde, retornando ao local de sua infância. Sentado diante do lago que acostumara-se a chamar de Oceano, ele só então se lembra de tudo o que esqueceu, e é essa a verdadeira história do romance. Vivendo junto a uma típica família inglesa, cujas dificuldades financeiras se mostram aparentes, o garoto se vê embrenhado numa fábula incrível que, narrada pela perspectiva de uma criança de sua faixa etária, transforma toda a fantasia de uma forma maravilhosa. É possível se ver ali, na mente daquele garotinho, relembrando de cada passo da infância, de cada pensamento, tão similar aos dele, de cada aprendizado errôneo, por meio de tentativa e erro. E quem poderá dizer que não presenciou a mesma fantasia que ele, naqueles tempos?
Temos, como coadjuvantes tão protagonistas que por vezes esquecemos de que são simples auxiliares na história, as três mulheres Hempstock. Misteriosas e fascinantes, elas estão sempre ali, próximas ao Oceano de Lettie, a mais jovem dentre as três e amiga do garoto, quatro anos mais velha e super protetora, e são elas o ponto forte da narrativa. Não há um grande suspense sobre a realidade dentre elas, pois é certo que, desde o início, o sobrenatural e o fantástico as acompanham. Mas isso é somente a ponta do iceberg. As atitudes, os comentários, a vida das Hempstock, tudo isso é incrível, e elas se mesclam à história do menino de sete anos de tal forma que ele próprio não se vê sem elas.
E, numa história de criança, não poderiam faltar seus medos e, cá entre nós, o medo das crianças é sempre o pior. Desde o medo da perda, da saudade, do desconhecido e do irreal, até o medo do escuro, ou o temor de se lembrar que a noite anterior foi real. Há, também, a inocência de quem vê algo ocorrer, mas não enxerga a maldade por trás de tal ato, a ingenuidade de quem assiste o erro imaginando o que aquilo significa para a humanidade, para os adultos. Entre os medos infantis e a inocência dos pequenos, vemos o Oceano no Fim do Caminho, que na verdade sequer passa, aparentemente, de um mero lago, ganhar proporções inimagináveis.
E a fantasia urbana e obscura de Gaiman está sempre em alta. Não é pra menos que ele se tornou meu autor favorito: as descrições, simples, rápidas e eficientes, sem enrolações, são fascinantes. Em menos de trinta páginas do livro, na cena do aniversário, o arrepio que me assolou por sua narrativa foi indescritível. Há, por trás daquelas simples palavras, uma mágica que não se pode explicar. É como se ambientar num local imaginário, vivenciar uma história que não é a sua, tudo isso num piscar de olhos e, ao retornar à sua própria história, quando o livro se mostra aberto diante de seus olhos, você lê, se familiariza àquilo que acabou de viver em seus pensamentos e, assim, sente-se dentro daquela mentira verdadeira, coexistindo de uma maneira tão surreal que, de certo modo, aquela torna-se a sua história, também.
E, se tenho de apontar um defeito em tal história, é seu tamanho. Curta, ágil, veloz, o que não deixa de ser um grande obstáculo para quem esperava desde 2005 para um trabalho do tipo do autor. Não é um Deuses Americanos, certamente, nem mesmo um Os Filhos de Anansi, mas tem seu vigor, seu charme e sua paixão fervorosa.
Terminei o livro com uma salva de palmas a Gaiman, por mais uma vez ter me ensinado o básico de ser escritor, provando-me que nada é melhor do que escrever com a alma, e terminei-o com um gosto de quero mais, seja desse cenário, seja de qualquer mundo que nasça debaixo daqueles cabelos desajeitados, como se loucos, de Neil.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 12 [Web Novela]

12

ACORDOU E, MAIS UMA VEZ, ESTAVA SOZINHO. A porta ainda estava bloqueada pelos sofás e pelos armários. Daiana não estava mais ali, ao seu lado. Ele se perguntou como ela entrou, como saiu e como tudo parecia estranhamente no mesmo lugar.
Estava cansado demais para pensar ou imaginar coisas.
Olhou o celular, por acaso. Rubens tinha desistido de ligar, e isso era bom. Uma pessoa a menos para lhe incomodar. Havia, no entanto, onze ligações perdidas, sendo dez delas de Luciana. A última era de Felipe, mais uma vez. Uma única ligação, sem importunar. Ele era bom nisso. Oferecer ajuda e saber esperar o interesse do outro lado. Diferente de Luciana, obviamente.
Mauro estava exausto. Não tinha forças para se levantar da cama. Sentia fome e sede, mas não tinha vontade de comer ou de beber nada. Queria ficar ali, vegetar até morrer, até aquele sofrimento acabar de vez.
Decidiu olhar suas mensagens. Rubens tinha ofendido todas as suas gerações, mas isso não era de surpreender. Luciana, nos dias anteriores, disse que queria ajudá-lo, que gostaria de estar mais presente. Quem ela achava que era, sua esposa?
Daiana?
Havia uma única mensagem de Felipe, e ela dizia, franca e rispidamente, se decidir ficar sozinho, vá à merda, mas se precisar, me liga, seu canalha. Mauro sentiu vontade de sorrir, mas seu corpo não se lembrou como tinha de fazer, então ele apenas releu e assentiu.
As outras mensagens de Luciana estavam diferentes, especialmente as últimas. Preciso falar com você, na tarde anterior. É sério, preciso falar com você, durante a noite. Mauro, é urgente, durante a madrugada. Preciso de você. Você tem que me escutar. Me liga. Me ouve. Você é um idiota. Eu também sou. Precisamos conversar. Você tem que me ouvir! Não acredito que vai me ignorar? Até quando vai se esconder? Até quando vai evitar o mundo? Eu tô... Eu preciso de você. Preciso falar contigo.
Durou a madrugada toda, e só agora ele via todos aqueles textos enviados por Luciana. Ela tinha algo para dizer, mas ele não estava bem para escutar. Não ligou de volta, nem para ela, nem para Felipe. Não respondeu mensagem alguma.
O celular vibrou outra vez, uma mensagem.
Felipe.
Cara, você ainda tem visto a sua ex-mulher?
Simples e direto, como tinha de ser. Mauro estranhou a pergunta, mas sentiu-se curioso.
Por que a pergunta?, escreveu em resposta. Enviou a mensagem e viu seu crédito acabar.
Porque sim. Eu queria saber. Você ainda tem visto a Daiana?
Mauro não tinha créditos para responder, portanto jogou o celular no chão e se esparramou na cama de casal.
Quatro mortes. Ele não conseguia deixar de pensar nisso. Não conseguia deixar de pensar no dia em que se viu agir sem que se lembrasse. E se fosse ele o assassino? E se fosse ele o responsável pela morte daquelas garotas? E se fosse ele o homem que assassinou friamente Elizabeth, sua própria filha, e também Júlia e as outras duas meninas?
A corda que tentara usar para o suicídio estava ali, jogada ao lado da cadeira, ainda caída ao chão. Ela parecia convidativa demais, mas ele não tinha forças nem mesmo para suicidar.
—Onde isso tudo vai parar? —ele se perguntou, olhando para o teto de seu quarto. Percorreu o cômodo com os olhos, desanimado. Nessa empreitada, encontrou algo que lhe fez estremecer de pavor.
Uma faca.
A mesma faca que vira na bolsa de Luciana, uma vez antes. A mesma faca que estava em suas mãos na noite de seu sonambulismo. A mesma faca que tivera sangue na lâmina, tempos atrás.
Quanto tempo se passou desde aquela noite?
Quanto tempo se passou desde a morte de Elizabeth? Quanto tempo se passou desde a noite em que ele e Luciana se envolveram? Quanto tempo se passou desde o beijo que dera em Daiana?
Dias? Semanas? Meses?
Por que ele não se lembrava?
Mauro se levantou. Sua cabeça doía, mas ele precisava se embebedar. O caos tomava conta de sua mente, e nada além do álcool pode combater o caos. Encontrou uma garrafa de conhaque num de seus armários, tomou-a sozinho. Achou algumas latas de cerveja e meia dose de vodca escondida na geladeira, acabou com tudo. Queria mais, mas não tinha nada mais para beber. Olhou para a porta de sua casa, pensando em sair para comprar algo; não tinha coragem. Os sofás e os armários o lembravam de que ele não devia sair dali, de sua casa. Procurou na dispensa por algo para beber, não encontrou. Procurou em seu quarto, achou um vidro de um perfume que ele nunca usara. Um presente de Daiana, de anos atrás.
Bebeu, e logo em seguida vomitou na própria cama.
Não fez questão de limpar. Deu mais um gole, vomitou outra vez. Seu estômago e sua garganta queimavam. Ele se deitou, ao lado da sujeira que acabara de fazer, e fechou os olhos. Abriu-os, tudo girava. Olhou para o teto, para as luzes, para o ventilador. O mundo girava. Olhou para a faca que residia em seu quarto, e mesmo ela parecia girar, inerte.
—Eu não sei o que fiz —falou, como se alguém o escutasse. —Não sei o que tá acontecendo. O mundo tá louco demais para mim. Eu não aguento mais...
Viu-se falando sozinho. Não estava bem. Não estava mais ali ou em qualquer outro lugar. Não estava mais.
Pegou o celular, ligou para Luciana.
—Mauro, seu tremendo filho da mãe! —ela gritou, alterada, chorosa e preocupada. —Por que não me ligou antes?!
Mauro respirou fundo. Não tinha forças para nada daquilo.
—Eu estou bêbado —disse ele, diferente do que tinha planejado para aquela ligação.
—Fácil de perceber. Preciso falar com você. É urgente.
—Então venha até a minha casa.
—Eu... não tô muito legal. Não acho que deva sair daqui. Passei mal nessa manhã, ainda estou meio fraca.
—O que você tem?
—Não sei. Ânsia, dores de cabeça, dores no corpo.
—Está doente?
—Seria melhor se fosse isso.
—Então o que aconteceu?
Luciana respirou bem fundo antes de responder.
—Eu estou grávida, Mauro. De você.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 11 [Web Novela]

11

A ENXAQUECA DO DIA SEGUINTE PARECIA CATASTRÓFICA. As dores no corpo também incomodavam, bem como algumas contusões suspeitas, que Mauro não sabia indicar as razões. Sentia-se mal, nauseado e tonto, mas sentia-se mal, primeiramente, por não saber o que sentir.
Não bastasse o pesadelo da noite anterior, que fora real o bastante para deixar marcas em seu corpo e em sua mente, Mauro ligou a televisão e, na forma de uma surpresa irônica escarrada por um universo maléfico demais, escutou com a alma ferida a mídia narrar a morte de uma quarta garota.
—Não... —murmurava, as mãos sobre os lábios, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
A garota ainda não identificada recebeu tantos golpes com a faca que seu rosto ficou desfigurado. A polícia está imbuída na busca pelo assassino, ao mesmo tempo em que tentam descobrir a identidade da mais nova vítima do então chamado Maníaco do Circo, nome atribuído graças à atração doentia do assassino em série por jovens garotinhas de vidas curtas e sonhos grandiosos. Há uma grande possibilidade de que a família da vítima resida nas proximidades de onde o corpo foi localizado. Mais notícias após os comerciais.
Mauro desligou o televisor e bebeu água, muita água, então vomitou tudo. Pensou em comer, pois sentia uma fome colossal, mas sabia que nenhum alimento estacaria em seu estômago. Ele não estava bem, não mesmo. Precisava descansar.
Olhou no espelho e se viu exausto. Tinha olheiras enormes, arroxeados no rosto e nos braços, manchas verdes nas pernas e no torso. Estava mais magro, mais fraco. Mais vazio.
Olhando no espelho, daquela forma, Mauro se perguntou se realmente sabia quem era aquele homem no reflexo.
—O que você fez? —perguntou ele, e a resposta não existiu. —O que você fez, seu maldito? O que você tá fazendo com a minha vida?!
O espelho o fitava com deboche, em silêncio.
—O QUE VOCÊ FEZ?!
Mauro gritou e, com as mãos nuas, esmurrou o vidro com toda sua força, odiando aquele homem que não era ele, não podia ser. O vidro cortou suas mãos, fez o sangue escorrer livre, livre como Mauro não mais se sentia.
Alguém bateu à porta.
—Mauro? —a voz chamava do outro lado dos sofás e dos armários, soando abafada pelos escudos. —Mauro, sou eu, Luciana! Será que a gente pode conversar?
—Eu não tô afim de conversar —Mauro disse, baixo o suficiente para que somente ele escutasse. Não queria que Luciana o escutasse. Não queria que o estranho no espelho soubesse que ele estava ali.
—Mauro, eu sei que tá aí dentro —ela insistia. —Abre essa porta, fala comigo. Eu não tô chateada pelo que você fez, eu juro! Tô preocupada contigo. Você devia me deixar te ajudar.
Mauro lavou o ferimento em sua mão, cobrindo-o com um esparadrapo que encontrou num kit medicinal de validade vencida. Sentou-se num dos sofás que bloqueavam a porta de entrada e esperou, ouvindo as batidas insistentes de Luciana até que ela desistisse de tentar e fosse embora.
Restou o silêncio, e ele. Pensou se deveria abrir as janelas, para que o homem do espelho fosse embora. Estava louco. Não queria aquele homem dentro de sua casa, mas aquele homem era ele.
Só tinha uma solução.
Procurou em seu armário por um cordão de escalada, guardado para aventuras passadas, coisas que a adrenalina envelhecida não mais lhe permitia tentar. Ajeitou a corda num dos armários de seu quarto, o mais alto deles, prendeu-a com firmeza de modo que ele perdesse o chão. Subiu numa cadeira e enrolou a corda no pescoço, prestes a iniciar o que seria o fim de sua vida, mas também o fim de todo aquele sofrimento insano.
—Adeus.
Adeus?
—Sim, adeus.
De quem estava se despedindo?
—Do mundo. Eu estou me despedindo do mundo.
Como se o mundo se importasse com ele.
—Não se importa. Nem o mundo, nem ninguém.
Ninguém.
—Ninguém se importa.
Ninguém o salvaria, ninguém o impediria.
—Ninguém.
A corda enrijeceu com um puxada leve.
—Adeus.
A cadeira sob seus pés estremeceu.
—Mauro!
Era Daiana. Ela correu na direção do ex-marido e saltou sobre seus braços, derrubando-o da cadeira e afrouxando a corda que marcava seu pescoço. Mauro caiu, sentiu seus sapatos da noite anterior baterem contra as costas desprotegidas, ganiu de dor, não pela pancada, mas por saber que sobreviveria àquilo.
—Por que?! —ele soluçava, desesperado. —Por que você está aqui?! Por que me salvou? Por que me impediu?
—Mauro, se acalme!
Daiana o acolheu em seu abraço e, pela primeira vez em muito tempo, Mauro se sentiu seguro.
—Por que... —chorava ele.
—Fique quieto. Você precisa descansar. Isso não é uma opção, não mesmo. Venha.
Ela o ajudou a se levantar. Colocou-o sobre a cama de casal utilizada por um solteiro, tirou suas meias e sua camiseta, suja pelo sangue do ferimento na mão.
—O que aconteceu aqui? —perguntou ela.
—Eu não sei —Mauro sofria para falar, sofria para existir. —Eu não sei... mas eu não aguento mais, não. Me deixa morrer, Daiana. Me deixa ir embora agora, por favor, pelo amor de Deus!
A expressão de Daiana poderia confundir qualquer pessoa, demonstrando sentimentos e emoções desconexas, distintas e estranhas, mas uma delas prevalecia: pena. Piedade, dó.
Ela tinha pena daquele homem.
—Tá tudo bem, Mauro —dizia ela, confortando o ex-marido com suas carícias. Mauro sentiu suas mãos em sua testa. Eram frias, diferente do que ele se lembrava. Ainda assim, eram carinhosas, aconchegantes e protetoras. Ele se sentia bem naquele carinho. Ele se sentia bem com aquela mulher. —Vai ficar tudo bem...
Ouvindo a voz manhosa de Daiana, Mauro adormeceu, sem calmantes ou pavores. Dormiu sem sonhar com nada, mas igualmente livre dos pesadelos. Apenas dormiu por minutos, por horas, por vidas.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Games - Assassin's Creed Revelations e 3

E finalmente, depois de tanto tempo, consegui me colocar em dia com a série Assassin's Creed! Ao menos com a franquia principal, claro, já que não tive a oportunidade de jogar o Liberation, exclusivo do PS Vita, mas enfim. Concluindo o Revelations e o terceiro episódio da série, nada mais justo do que comentá-los aqui, como feito anteriormente. Me acompanha?


Dando fim à história de Ezio Auditore, Revelations teve seu charme do começo ao fim. Se compararmos os pontos altos e baixos, esse foi um dos jogos da franquia que mais me cativou! Particularmente, achei o personagem de Yusuf Tazim fascinante, ainda que não seja dos mais importantes da série, e os apetrechos desse episódio fazem de Ezio o máximo no que diz respeito aos assassinos, do bico-de-águia ao paraquedas atualizado que, na sequência da batalha final, cria uma cena memorável para os fãs de AC. O desfecho é super empolgante, e a história de Ezio cria um carinho ainda maior pelo personagem. E ainda, de brinde, temos passagens fabulosas no controle de Altair, o assassino original, do primeiro jogo da série, que nos mostram o verdadeiro destino que o acolheu. Um jogo fascinante, do começo ao fim. Mas...



Navios! Eu sei que muita gente surtou ao ver a mudança absurda de cenário referente a Assassin's Creed 3, e muita gente acabou não gostando do resultado, mas, cara, temos navios e, se essas não foram as batalhas mais intensas que um jogo de batalha naval já proporcionou, não sei quais foram (e me recomendem, de preferência). Eu tenho uma queda absurda por piratas, e o pouco do cenário corsário apresentado em AC3 me ganhou de imediato, admito. Fora isso, Connor não é um personagem tão cativante quanto Ezio ou Altair (mas tem os genes mutantes e marombeiros de Chris Redfield, porque de uma hora para outra fica enorme, como um gorila, haha), mas também tem sua graça. O cenário, construído na época, ficou muito bonito de se explorar, e a época histórica escolhida também me agradou bastante. É claro que as mudanças foram necessárias, mas foi interessante explorar um modelo diferente de universo com as habilidades dos assassinos. Saltar por entre as árvores e correr na neve, por exemplo, foram duas coisas que mostraram o extremo de legal e grotesco. Sem contar que, diferente dos demais episódios da série, temos neste uma série de cenas jogadas com Desmond, incluindo, dentre elas, uma que se passa no Brasil (e que é incrivelmente bizarra, haha)! E o desfecho não foi de todo surpreendente, sim, mas deixa aquele pingo de curiosidade sobre o desenrolar da "história verdadeira" da série no próximo episódio.


E AC4 estará disponível em Outubro deste ano, ou seja, falta pouco para termos em mãos mais um jogo da série, que tem grandes chances de se tornar o meu favorito até então, já que se volta totalmente para a temática de piratas, ambientado, inclusive, nos mares do Caribe de 1717, quando as atividades dos corsários estavam em alta. Só nos resta esperar e ver se o avô de Connor vai marcar presença ou se tornará apenas mais um rostinho conhecido na série.
E que venham mais batalhas de navio!

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Livros - O Nome do Vento


Antes mesmo que eu me envolvesse com a leitura de 'O Nome do Vento', já havia me tornado um grande fã de Patrick Roothfus. Muita gente, dentre amigos e conhecidos amantes da literatura fantástica, me indicou o livro que acompanhava Kvothe, o Sem-Sangue, entre diversos outros nomes marcantes, por suas aventuras. Um dia, quando o livro já esperava na minha estante de próximas leituras há muito tempo, resolvi dar uma chance às mais de 650 páginas deste primeiro volume, e eis que me surpreendo com um dos romances mais agradáveis que já tive a oportunidade de ler na vida. Mas o que há de tão especial em 'O Nome do Vento', você me pergunta. É sobre isso mesmo que falarei nessa postagem.
Nos Quatro Cantos, histórias vêm e vão, e diversas delas falam sobre um guerreiro de cabelos vermelhos e seus grandes feitos, da Universidade adiante. Mas o Cronista, um homem que coleciona as histórias mais fabulosas do mundo em seus livros, encontra apenas um hospedeiro de nome Kote, dono da estalagem Marco do Percurso, simpático, na medida do possível, mas não uma lenda. Mas as aparências enganam e, decidido a conquistar sua história, o Cronista entra num acordo com Kvothe: por três dias, escutará a história de sua vida, escrevendo-a, sem nada alterar das palavras do ruivo. E assim, ao mesmo tempo em que vivenciam coisas surpreendentes na estalagem, acompanhamos a vida e as aventuras de Seis-Cordas, neste primeiro dia, de sua infância na trupe à Universidade, onde viveu suas primeiras aventuras,
A escrita de Roothfus carrega algo de especial, certamente. Seu nível de detalhe é absurdamente eficaz, o que poderia muito tempo tornar-se chato e massante, mas acaba por dar vida de maneira maravilhosa ao universo criado pelo autor. Tudo é vivo, desde a economia aos costumes e aos dialetos inventados por Patrick; as coisas andam em movimentos dançantes, enquanto Kvothe aprende mais e mais sobre o mundo conforme se aventura por ele. A narrativa, inicialmente, desenvolve-se de maneira lenta, mas logo ganha um ritmo alucinante, mesmo que não seja completamente dotada de ação. Nos momentos em que a ação existe, no entanto, não deixa nada a desejar, criando passagens memoráveis e cenas que chamam a atenção do leitor para o modo imparcial e frio da descrição dos acontecimentos, algo que dificilmente encontramos nos romances. Essa transição de cenas medianas para as mais ágeis, e falo isso como pseudo-escritor, também, é algo difícil de se fazer. Se sua história se acomoda na calmaria, quando a ação chega, você tem um ritmo diferente para escrevê-la. Se sua história banha-se na ação, as cenas de calmaria podem, presumidamente, receber uma velocidade desnecessária, tornando-se corridas contra um tempo que inexiste. Mas Roothfus conseguiu adaptar as sequências de maneira esplendorosa, deixando-as igualmente satisfatórias, o que não é único de sua escrita, mas certamente algo raro e que deve ser reconhecido.
E os personagens, ah, os personagens! Roothfus tem uma capacidade incrível de criar rostos marcantes que desaparecem em diversas partes do livro. Desde o início, com Abenthy, passando por Trapis e seu "que foi, que foi, quietinho, quietinho", sem esquecer de Elodin, Auri (que, na minha opinião, passa a ser a personagem mais envolvente do livro, mesmo com raras aparições), Denna e seu ciclo de desaparecimento, Simmon e Wilem e suas táticas falhas sobre as mulheres, Manet, Kilvin, Elxa Dal e todos os demais professores (mesmo Hemme e Lorren, quase que odiados), Feila, o deplorável Ambrose e muitos outros. Os nomes são bastante criativos e originais, bem como suas personalidades, tão vivas quanto a do protagonista, tão palpáveis que se tornam pessoas, físicas e vívidas, presentes tanto nos Quatro Cantos quanto na mente do leitor, como amigos inesquecíveis.
Ao fim do livro, conhecendo mais sobre a infância de Kvothe, ficamos com um misterioso gosto do saber. Sabemos tanto, e ao mesmo tempo não sabemos nada sobre esse personagem envolvente. Há tantos mistérios para se resolver que sequer imaginamos como as coisas podem continuar... Mas elas continuam. O Temor do Sábio, já lançado no Brasil, conta com 960 páginas, narrando mais e mais aventuras de Kvothe em sua busca pelo Chandriano numa vingança tênue e vagarosa. E tudo o que tenho a dizer é: leia. Se gostou de Senhor dos Anéis, se gostou de Harry Potter, se gostou de qualquer outro livro de fantasia, em suma medievais. Leia, sem se assustar com a grande quantidade de páginas, e leia sem medo de se arrastar nas partes mais descritivas. Prepare-se para encontrar um cenário fabuloso, e se envolver cada vez mais com uma história que, com seus altos e baixos, consegue encantar qualquer leito que se preze.