terça-feira, 31 de julho de 2012
Resenha - O Livro do Cemitério
Hoje terminei a leitura de mais um livro do Neil Gaiman.
Trata-se de O Livro do Cemitério, uma obra de arte em suas 330 páginas (aproximadamente, isso na versão brasileira) que já tem previsão de se tornar filme nas mãos da Disney. Em mais uma história de ambiente hostil e clima sombrio, Gaiman nos apresenta o pequeno Ninguém Owens, um garoto comum que, após perder a família num assassinato aparentemente sem explicações, é levado para um cemitério e salvo pelos fantasmas que o habitam. Crescendo naquela paisagem desolada, Nin recebe a Liberdade do Cemitério, que permite a ele utilizar parte dos poderes dos mortos.
O Livro do Cemitério, em grande parte, pode ser entendido como um livro infantil, o que não é nem de longe o marco principal de Gaiman. A história é excelente, tem um desenrolar simples e bastante criativo, algo que já não me surpreende nos textos de Gaiman, mas ela circular de maneira corriqueira sobre coisas sérias e particularmente incompreendíveis pelo garoto. Acompanhamos Nin durante seu crescimento, desde bebê até a adolescência, assistindo seus relacionamentos com os fantasmas de cada túmulo, com uma bruxa enterrada numa área proibida do cemitério, com Silas, um membro da Guarda de Honra, ao mesmo tempo que o vemos se relacionar com outras pessoas vivas enquanto descobre várias coisas surreais, muitas das quais sequer é capaz de entender, como a Dama Cinzenta, Jack e outros mais.
O ritmo dos acontecimentos é preciso, do vagaroso clima introdutório ao ápice do desfecho, e não peca em parte alguma quanto a isso. Há sempre novidades espalhadas pelas páginas, diálogos construtivos com personagens de épocas distintas e um nível baixo de mistério, brando e soturno, mas ali, presente e instigante. É claro que essa obra não escapa dos clichês, mas e daí, nenhuma escapa atualmente! O importante não é diferenciar na história a ser contada, mas sim em como você a conta, e Neil Gaiman é um especialista em arrumar infinitos modos de se contar infinitas histórias.
Com ilustrações magníficas entre suas páginas, O Livro do Cemitério é mais uma das histórias do Gaiman que me impressionou pela maneira inovadora de narrar, sem pressa, sem medo de ousar, sem receio de arriscar novidades e retomar clichês esquecidos. Ele sabe como cativar, como surpreender, como fazer de cada parte do texto fabulosamente memorável, e são poucos os autores que conseguem desenvolver essas sensações. Se tiverem a oportunidade de adquirir esse livro, o façam sem pestanejar! É uma obra que recomendo, de verdade, como todas as outras deste autor fantástico!
Até a próxima!
Fic Harry Potter - Entre o Mundo e o Medo - Cap 1
I
Os Fantasmas se Divertem
Hogwarts
era uma escola frequentada por alunos dos 11 aos 17 anos, cursando 7 anos de
aprendizado que fornecem aos bruxos tudo aquilo o que eles necessitam para
viver, desde o Estudo dos Trouxas, os não-bruxos, até os Feitiços propriamente
ditos, passando pela Transfiguração, o Trato das Criaturas Mágicas, a coleta de
ingredientes na Herbologia e o preparo de Poções.
Eu
conhecia bem aquele lugar. Não fora ali a minha escola, mas eu a estudei por
livros e reportagens, por documentários e trabalhos de campo. Eu estudei o
local onde deveria trabalhar, pois somente assim estaria familiarizada à
infinidade de salas e escadarias, mantendo assim um disfarce perfeito.
Pensava
nisso durante uma aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, ministrada pelo
senhor Bremmer, um velho de bigodes curvilíneos cujo sotaque francês era
carregado o suficiente para tirar a calmaria de quaisquer alunos.
Ele
explicava algo que eu já aprendera anteriormente quando eu abri o espelho
circular que tinha em mãos, encontrando no reflexo um olho que não era meu.
Atrás
daquela íris cor-de-mel, pude ver as paredes do Ministério da Magia.
—Como
andam as coisas?
O
responsável por minha caçada, o antiguíssimo senhor Fiennes, falava através
daquele artefato mundano, mas somente eu podia escutá-lo, bem como somente ele
poderia escutar a minha voz. As facilidades da magia eram perfeitas, ainda
melhores do que a tecnologia dos trouxas, e cresciam em proporções similares,
permitindo-nos estar sempre um passo a frente dos não-bruxos.
—Bem,
em termos —sussurrei. Para os demais, ainda estava riscando meu caderno,
aprendendo mais e mais sobre algo que já vira anos atrás. —Ele ainda me parece
um aluno qualquer. Não encontrei nada do que as suspeitas indicavam.
—Ele
não é um aluno qualquer, Lane, pode ter certeza disso —rebateu Bremmer, tão
rígido quanto um homem de sua idade conseguiria ser. —Não deixe que as aparências
te enganem, ok? Você é uma das melhores que eu tenho por perto. Não se perca, e
acima de tudo, não o perca. Pode ser nossa única chance.
—Sim,
senhor.
Desde
a queda de Lord Voldemort —miseravelmente conhecido como
Aquele-que-não-deve-ser-nomeado, o clima do mundo mágico mudou sensivelmente.
Tudo era motivo de receio, tudo era perigoso e estranho. Qualquer feiticeiro de
maior talento poderia almejar o posto abandonado por Tom Riddle, o que o
Ministério tentava impedir de qualquer modo. Comensais ainda estava nas ruas,
vagando como cães sem dono; nenhum deles desejava liderar. Eles caçam nas
sombras, buscando um único nome, um único bruxo que postaria sua varinha em
riste, fazendo um nome negro ecoar outra vez perante as nuvens, para que a
caveira e a serpente pudessem representar outra vez a linhagem mais pura da
feitiçaria, fazendo dos mestiços e dos fracos de sangue escravos, lugar este
que eles jamais deveriam ter deixado para trás.
Sem
um líder, eles não eram nada além de arruaceiros dispersos, desorganizados e
malévolos, mas tolos. Nosso objetivo era caçá-los, mandá-los para Azkaban,
fazê-los se arrepender de todas as suas maldades diante da sombria aura dos
dementadores.
Quando
digo nosso objetivo, me refiro aos
outros como eu, os servos do Ministério, a milícia do mundo bruxo.
Os
aurores.
—Haley
estará aí, em breve —continuou meu superior, e eu assenti, indicando
entendimento. —Conte com ele para suas observações.
Haley
Shunpike era um auror, como eu, porém sua experiência era terrivelmente maior.
Ele tinha sérios problemas de personalidade, mas era um bom homem, sempre
disposto a oferecer ajuda e se sacrificar pelo bem maior, o que o mantinha
assim, sozinho, como um bruxo desolado em sua missão de paz. Anos antes, Haley
teve de escolher entre sua vida pessoal, sua amada e sua caçada, e a solidão
ensandecida que o assola nos dias de hoje é o resultado de tal escolha.
—É
mesmo necessário?
Não
gostava de parecer a rebelde, mas eu estava observando um aluno de quinto ano,
nada além disso. O que ele poderia fazer, virar Hogwarts de cabeça para baixo e
conjurar dragões para atacar a todos?
—Não
podemos arriscar, Lane. Espero que entenda.
Fiz
que sim, ainda confusa.
—Nos
falamos novamente mais tarde —ele concluiu, e o espelho novamente revelou a
minha imagem, os olhos claros, a madeixa dourada me caindo à testa.
Ao
término da aula, eu deixei a sala acompanhada de Mirela, uma ruiva inteligente
e valente, valente a ponto de afrontar o preconceito dos sonserinos para com a
sua família mestiça. Ela era uma boa amiga, sempre discutindo coisas
interessantes do mundo bruxa e trouxa, assuntos que o pai dela, um homem que
muito se surpreendeu ao descobrir a magia dentro de sua própria casa, comentava
durante suas raras folgas do trabalho. Sua inteligência às vezes me deixava com
certo receio: um passo em falso e ela poderia descobrir meu disfarce, e então
tudo estaria em ruínas.
Alguns
degraus abaixo, enquanto eu escutava sobre a dissimilação do novo Ministro
diante da sociedade mágica contemporânea, me deparei com Chad. Ele admirava os
quadros do quarto andar, carregando diversos livros, possivelmente retirados da
biblioteca daquele mesmo nível. Despedi-me de Mirela com um aceno e saltei os
últimos degraus, desviando meu percurso para atravessar o corredor onde ele se
encontrava.
O
plano era me emparelhar a Chad por alguns instantes, antes de me esgueirar pela
porta da biblioteca, mas tudo deu errado quando eu ouvi a sua voz:
—Olha,
se não é a senhorita Lane, apaixonada por quedas de vários metros.
Sua
ironia me fez corar, mas eu era uma veterana, e tinha de agir como tal.
Ri
com certo sarcasmo, virando-me sem a necessidade de apresentar a educação
costumeira.
—Pois
é, é ela mesma —ironizei, fugindo da brincadeira. —Como vai, Dominic?
Ele
se fingiu de surpreso, zombando da formalidade que optei por usar.
—Melhor
agora ao encontrar uma professora de normas cultas —e riu, aquele sorriso curvo
e bonito. Me senti ruborizar mais e mais, disfarcei. —Está indo para a
biblioteca?
—Não,
na verdade é, bom, é que eu, sim, sim, estou.
Parecia
uma novata abobalhada na sua presença.
Ele
ria com gosto do meu modo de agir.
—Timidez
é uma coisa bastante rara nos dias de hoje —começou, o timbre soando com a superioridade
que inexistia. Eu era a mais velha ali. Eu deveria saber como ser superior. —Receio,
esse sim existe. Receio de se meter com aqueles que não merecem nossa atenção.
Eu espero que não seja esse o seu caso, senhorita Lane.
—Ah,
imagina. Eu por um acaso deveria ter medo de você?
Chad
deu de ombros.
—Alguns
têm. A escolha é sua.
—Relaxa
—falei, acenando despreocupada. —Eu sei me cuidar bem.
—Acredito
que sim. Aliás, acredito também que vai saber cuidar bem de algo que tenho para
lhe oferecer. —Ele caçou em suas vestes um pequeno objeto prateado, uma espécie
de pingente circular com runas que, unidas, formavam a figura de um pequeno
morcego de asas abertas. Estendeu o braço em minha direção, deixando o pingente
escorrer por entre seus dedos. —Vamos, pegue.
—O
que é isso?
—Um
presente.
—Presente?
Estranhei.
—Sim.
Um presente. Não posso presentear uma amiga de casa?
Aquilo
era prata de verdade. Chegava a pesar em minha mão.
Como
sempre, sonserinos mimados por pais ricos. Certas coisas nunca mudariam.
—Pode,
claro. Só não pense que vai me conquistar com isso. Eu valho mais do que uma
corrente de prata.
—Tenho
certeza disso. —Ele sorriu outra vez, e então pôs-se a andar, deixando me para
trás, perto dos quadros. —Espero que nos encontremos mais vezes assim, Lane.
Sua companhia é sempre interessante. Quem sabe um dia você não me ensina
algumas coisas do sétimo ano, não é?
Eu
queria responder, queria mesmo, mas a minha voz parecia ter sido roubada por
fantasmas, e eu só fiquei ali, inerte, assistindo enquanto ele desaparecia nas
escadarias.
Foi
quando ouvi alguém gargalhar.
—As
garotas da Sonserina também têm coração, acreditam?
—Não,
sério? Pensei que elas fossem tão geladas quanto as estátuas dos corredores!
—Imagina,
elas adoram corações! No almoço!
Risos
e mais risos, e mesmo antes de olhar eu já sabia quem eram os donos daquelas
vozes.
Anos
antes, houve em Hogwarts um poltergeist
conhecido como Pirraça. Como todo bom poltergeist, Pirraça era mestre na
desordem e no caos, um espectro caótico e insano, diferente dos mundanos
fantasmas das casas. Quando a escola foi reconstruída, no entanto, Pirraça não
estava mais lá. Alguns dos fantasmas antigos mantiveram-se presentes, mas
vários outros desapareceram, partindo para um lugar melhor, e novos tomaram
seus lugares.
Pirraça
cedeu seu posto a três poltergeist,
todos iguais, senão piores do que ele próprio.
Seus
nomes eram Birra, Desfeita e Teimoso, e eles habitavam um mesmo corpo, o corpo
de um garoto de baixa estatura, cujo pescoço se dividia em três cabeças miúdas
e bizarras, cada qual com suas peculiaridades, seja um olho fora do lugar,
lábios inchados ou narinas avantajadas.
—Engraçadinhos
vocês, não? —bufei, e me virei para ir embora.
—Olhem
para ela, que coisa mais meiga, apaixonada por um garoto mais novo!
—O
que você viu nele, pequenina? O sonho de sua vida era trocar fraldas?
—Ou
será que você gosta de rebeldes descontrolados?
Eles
falavam muito rápido, quase ao mesmo tempo, e eu nunca sabia apontar qual dos
três era responsável pelas frases que escutava.
—Fiquem
com suas teorias, eu tenho mais o que fazer —disse quando já estava no primeiro
degrau da escada que me levaria aos andares inferiores da academia.
—Talvez
sejam mais do que simples teorias.
—Está
escrito nos seus olhos, garotinha.
—Você
gosta do estranhinho que faz coisas feias!
Eu
estava de sangue quente, ainda que um pouco corada, mas aquela última frase me
chamou a atenção. Parei no lugar, voltando meus olhos para o monstrinho de três
cabeças que me zombava e, ignorando todas as suas provocações, falei:
—Coisas
erradas?
—Ó,
ela não sabe!
—E
não seremos nós a contar.
—Não
mesmo, nunca contaríamos.
Os
três cobriram as bocas com suas mãos translúcidas.
—Do
que vocês sabem, insolentes? —brami, em certo tom de hostilidade, tentando fazer
soar como uma ordem de alguém superior, mas talvez não tenha funcionado como
desejado. Eles se uniram numa ciranda de somente dois braços e giraram, giraram
sem parar, enquanto cantarolavam.
Ela está apaixonada
por um menininho
Tá gostando, tá
gamada naquele estranhinho
Ela é uma Sonserina cheia
de peçonha
Quero vê-la
declarar-se toda sem vergonha
E
eles cantaram e dançaram por mais um tempo, e então desapareceram, deixando-me
para trás com os olhos incrédulos e os lábios semiabertos.
Fiquei
curiosa para saber sobre o que aqueles idiotas falavam mas, acima de tudo,
fiquei receosa de que suas preocupações tivessem algum fundamento válido.
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Fic Harry Potter - Entre o Mundo e o Medo - Prólogo
Dias atrás, fui a um encontro de um grupo de fãs de Harry Potter, o Potter Vale, organizado aqui mesmo na minha cidade. Reavivar o gosto pela série foi uma experiência muito boa, ao mesmo tempo em que conhecer outras pessoas que também admiravam a franquia da nossa querida J.K. Rowling me fez sentir falta do tempo das fanfics, quando eu ainda utilizava o Nyah para postar histórias. Desde algum tempo atrás, mais precisamente com o surgimento dos primeiros trailers e imagens de Auror's Tale, a web série feita por fãs no cenário de Harry Potter, com uma abordagem mais adulta e uma premissa bastante interessante, comecei a elaborar uma história em minha mente, algo que, num primeiro plano, deveria se tornar um RPG de mesa, mas enfim, acabou que não rendeu nada e ela ficou por ali, em hiato. Após o Potter Vale, as ideias voltaram a fluir, e então surgiu Entre o Mundo e o Medo, uma história que não será muito curta, mas é completamente original, ambientada alguns anos após a queda de Voldemort, quando Hogwarts já estava restabelecida e os bruxos da Inglaterra tinham de volta sua academia de magia.
Sem mais demoras, confiram o prólogo dessa história. Espero que gostem!
Sem mais demoras, confiram o prólogo dessa história. Espero que gostem!
Prólogo
Ao Cair Feito Pluma
Tudo
começou com uma queda.
Eu
o observava, tenho de admitir. Segui-lo durante tanto tempo me fez conhecer
cada um de seus hábitos, admirar seus feitos, me impressionar com suas
façanhas, e assim eu o conheci, mais do que me foi dito, mais do que os demais
aluno conseguiam enxergar. Como sua veterana, ainda que recém-transferida, eu o
olhava como superior, mas ele era incrivelmente talentoso. Mesmo no quinto ano
de Hogwarts, aquele garoto demonstrava um exímio domínio na magia e suas
propriedades, bailando com os braços livres, a varinha em riste, 31cm de mogno
com pena de fênix.
Muitos
o invejavam.
Ele
invejava a todos.
Escorada
na amurada de um andar superior, eu mantinha os olhos fixos em seus movimentos.
Ambos éramos da Sonserina, representando o grotesco legado de Salazar, vestidos
no verde e prata costumeiros. Os anos se passaram, mas o tradicionalismo da
Escola de Magia e Bruxaria da Inglaterra se manteve, e ali estava ele,
treinando para uma nova apresentação do clube de duelos, preparado para
afrontar os mais incrédulos Grifinória, derrubando-os um a um, como sempre
fazia.
Agora,
no entanto, ele era um dançarino numa melodia silenciosa. Aperfeiçoava seus
movimentos, rodopiando a varinha entre os dedos pálidos para encantar as
árvores do campo aberto, fazendo com que as folhas voejassem, soprando-as numa
brisa involuntária, desenhando no solo terroso imagens de sua mente perturbada.
Chad
Dominic era um nome conhecido para a época. Um garoto renomado, de aparência
agradável e cinzenta, esquecido não fosse suas chamativas performances em sala
de aula. Tinha seus cabelos trançados, fios próximos dos ombros, castanhos e
alinhados em simetria. Os olhos eram escuros, tão escuros quanto a noite, mas
nada foscos; carregavam um brilho sem igual, uma centelha de vontade e
temperança.
No
quinto ano, Chad já vencera alunos de sexto e sétimo ano em seus duelos, o que
deixava-o confiante a ponto de não baixar os olhos quando afrontava a
desaprovação na mente de cada um de seus veteranos.
Isso
me incluía, obviamente.
Eu
era intangível entre os demais. Lane Maxwell era um nome que chegava a escapar
soprado na chamada dos professores, tamanha a inexistência que me cercava, e eu
achava isso ótimo. Ali, nas sombras dos mais populares, sentia-me em meu lugar,
fazendo o que tinha de ser feito da maneira que tinha de ser feito, nada mais.
Ali,
apoiada nas lacunas da amurada do terceiro andar, assistia a Chad em sua
prática, e ele me encantava.
Não
soube explicar o que sentia. Talvez não fosse nada. Talvez eu sentisse pena,
isso. Piedade. A mesma piedade que muitos sentiam ao conhecer parte da triste
história carregada por aquele garoto. Não, não era isso. Admiração, talvez. Ele
tinha seus quinze anos e era muito melhor do que grande parte dos maioritários
parecia ser. Respeito? Impossível. Ele era mais novo, e eu só lhe devia
educação. Então o quê era?
—Reducto!
Quando
os arbustos mais próximos implodiram diante de seu feitiço, eu me
desequilibrei. Até então, tinha o disfarce perfeito, a posição perfeita,
seguia-o sem ser notada. Agora, desajeitada como sempre fui, fazia de meu
segredo um livro aberto, mostrava-me ali, gritante, numa queda de infindáveis
metros repentina a ponto de impedir que eu brandisse a varinha de salgueiro em
minha cinta.
—Aresto Momentum!
Eu
pairei.
A
queda veloz foi retardada até o belo ato de planar e, como um pássaro de asas
entreabertas, cedi ao vento meu peso, e ele me carregou, sem pressa, até o
gramado estofado dos jardins. Eu quase adormeci, tamanha a serenidade daquele
instante; postei-me em pé rapidamente, e ele já estava ali, à minha frente, os
olhos abertos pela surpresa, os lábios como cela, aprisionando um sorriso de
cinismo sem igual.
—Você
está bem? —ele me perguntou, sua voz soando como um canto.
Engoli
em seco.
Aquele
diálogo não deveria acontecer, não mesmo!
—Estou,
estou sim! Obrigada! Eu me desconcentrei, acabei caindo.
—Tome
mais cuidado da próxima vez, erm —
—Lane!
—exclamei, ainda afobada. —Lane Maxwell, do sétimo ano.
—Sétimo
ano?
Ele
parecia surpreso.
Como
boa aluna do último ano de Hogwarts, o mínimo que eu deveria saber era como me
salvar de uma queda iminente como aquela.
—Sim,
sétimo. Somos da mesma casa.
Ele
me olhou de cima a baixo, estudando cada detalhe das vestes de cores idênticas
às dele.
—Imaginei.
É um prazer, Lane. Meu nome é Chad Dominic, mas talvez você já saiba disso. Os
boatos correm livremente pelos corredores, não acha?
—Que
boatos?
Ele
riu em ironia, e então me deu as costas.
—Se
me dá licença, Lane, eu tenho de retornar aos meus alojamentos. —Suas palavras
eram sempre carregadas de formalidade e compostura, uma raridade sem tamanho na
atualidade. —Espero que nos encontremos outras vezes.
—Ah,
sim, claro, isso certamente vai acontecer! Não, me desculpa, não foi isso o quê
eu quis dizer, mas é que somos da mesma casa, então possivelmente vamos nos
cruzar durante o intervalo das aulas, então vamos nos ver, vamos sim, com
certeza!
—Até
breve.
Eu
escutei sua risada uma última vez, e ele então se retirou com um aceno.
Eu
fiquei ali por mais um tempo, esperando que o mundo voltasse a girar.
O
meu mundo, ao menos.
Quem
era aquele garoto?
domingo, 29 de julho de 2012
Conto - Sozinho no Escuro
Sozinho no Escuro
Aquele
tinha sido um dia exaustivo, numa semana exaustiva de um mês exaustivo.
Ali
estava eu, abrindo a porta de minha casa para o merecido repouso, disposto a me
livrar dos problemas com um banho quente e uma boa noite de sono.
Já
em meu quarto, joguei as tralhas que carregava no chão, tirei a camiseta e me
postei sobre a cama, bagunçando o lençol carinhosamente ajeitado por minha mãe.
Sim, eu ainda morava com meus pais, na época. Era uma casa boa, uma família
interessante, por mais que o pai tivera sido substituído por um padrasto e eu
pouco o visse. De qualquer modo, a cama estava arrumada, e por ora isso
bastava.
Permiti-me
suspirar, aliviado por estar ali, e não de frente a todos os meus problemas. Eu
precisava de um banho, precisava mesmo, mas a cama estava tão boa. Olhei o
relógio no pulso, ele marcava 18h40. Minha mãe chegaria mais tarde, longe das
20h. Eu tinha um bom tempo antes disso. Resolvi esperar ali, assistir uma
televisão e esperar até que a coragem novamente me abordasse.
O
telejornal que me recepcionou falava sobre morte e violência, e eu me perguntei
se não era o mesmo programa do dia anterior, e do anterior ao anterior, pois
todas as noites era a mesma coisa. Mudei o canal, vi a mídia alienar, carregar
os telespectadores com suas notícias macabras e então aliciá-los num momento de
fraqueza súbita com suas novelas emporcalhadas de situações desprezíveis. Eu
odiava aquilo tudo, mas não tinha tantas opções em meu pacote de tv a cabo.
Tive de me contentar com a dublagem bizarra de um filme trash.
Foi
quando a luz apagou.
Era
um blecaute, imaginei, talvez somente ali, em minha casa. Olhei pela janela e
constatei que não, era uma falta de luz um pouco agravada, agarrando
parcialmente meu bairro. Do segundo andar, era fácil entender que as
proximidades ainda tinham iluminação, o que resumia o problema como simples.
Logo ela estaria de volta, tive certeza. Teria que esperar pelo meu banho
quente.
Dei
de ombros e tirei meu celular do bolso, usando sua tela de led como única fonte
de iluminação. Minha gata estava ali, lambendo meus pés. Ela não tinha medo do
escuro. Eu também não, obviamente, mas ela enxergava muito melhor do que eu. A
gatinha ronronou, esfregou-se em me tornozelo, esticou-se por segundos ao meu
lado, brincalhona, e então se foi, correndo pelos corredores.
O
celular apitou, anunciando que a bateria estava baixa.
Eu
sempre fui um pouco impaciente, parte pela hiperatividade, parte pela
velocidade irreparável dos acontecimentos do dia-a-dia. Sendo assim, precisava
arrumar algo para passar o tempo, algo que me sustentasse ligado diante daquela
escuridão.
Resolvi
ler as minhas mensagens de celular.
Abri
a primeira, e ela me dizia sobre uma garota que conhecera há alguns meses, com
a qual não tive oportunidade de me relacionar como deveria. Ela era bonita e
agradável, sempre cheirando a flores. Uma amiga. Talvez ela quisesse mais do
que isso, mas eu tinha medo de arriscar. No escuro e no silêncio, pensava no
quão grandioso um pseudo-relacionamento com tal pessoa poderia estar naquele
instante, mas ele não existia, e possivelmente não existiria durante a vida
toda, graças ao medo da perda e do vazio. Como amiga, ela sempre estava ali,
sempre estaria. De resto, não conseguia imaginar nada.
Algo
estalou em meu apartamento. Apontei a luz do celular, até então voltada para
meu rosto, para a porta de meu quarto, iluminando parcialmente o corredor que
me guiaria até a cozinha. Não havia nada.
Voltei
à posição original e fui para a próxima mensagem.
Ela
era de uma antiga pretendente. Anos antes, senti algo muito forte por ela. É
estranho tentar compreender os sentimentos, não é? Eu a amei, ou sei lá, o mais
perto disso que minha mente me permitiu chegar. Depois, quando as coisas deram
errado, tudo escorreu pelos dedos, vazando pelas frestas como água. Todas as
promessas se perderam em novos lábios, novos abraços, e o tempo passou como
passaria de qualquer forma. O relógio não espera por ninguém. Eu percebi que
não gostava tanto dela assim. Percebi que deixei de amá-la com facilidade. Agora,
quando a reencontrei, percebi que talvez estivesse enganado. Eu notei que nunca
antes senti nada por aquela pessoa. Agora, no entanto, o coração palpitava em
sua presença. Isso era um bom sinal, ou uma pequena loucura de reencontro,
descontrolando o entendimento do teatro iniciado pelos pensamentos?
Ouvi
um barulho estranho, outra vez.
Apontei
a luz para o corredor, e lá estava a minha gata. Ela tinha um rato morto na
boca. O sangue escorria por seu pelo branco, manchando seu rosto e seus
bigodes. Eu a xinguei, e ela correu, deixando o cadáver do animalzinho ali, à
frente de meu quarto.
Tive
a impressão de escutar passos, mas sempre me confundia quanto à distância dos
ruídos. Eles poderiam estar ali, ao meu lado, ao mesmo tempo em que poderiam
estar no apartamento de baixo, no vizinho, no prédio da frente.
Os
pelos de meu braço eriçaram.
Voltei
os olhos para o celular, li a terceira mensagem.
Era
de um amigo. Um ex-amigo, quem sabe. Isso realmente existe? Ele me ofendia.
Tomara as dores de um relacionamento que terminou de maneira errônea, comprava
uma briga que não existia. Eu nunca me deixo levar pela irritação. Nunca
levantei a voz para ninguém que desmerecesse, raramente o faço para quem
merece, na verdade. Fico ali, na minha, calmo como sempre. Mas há tantas
mentiras quanto pessoas, e elas afastam-nos de quem é volúvel aos boatos.
Mentiras se espalham como veneno, saídas da boca de pessoas sujas, da imundice
repugnante de víboras com pernas e braços, serpentes que podem sorrir e
enganar. Elas não matam, mas ferem por dentro, marcam sem cicatrizar. Assim eu
me indagava sobre o provável ex-amigo, sobre a vida que ficara para trás, sobre
tudo o que passamos juntos e, ao fim, tentava acreditar que um amigo não se
perde, e que se o estava perdendo, talvez ele nunca antes fora um amigo de
verdade.
Ouvi
passos, e dessa vez tive certeza de que estavam ali, bem pertos.
Mirei
a luz para o corredor. A gata não estava lá.
Também
não estava lá o rato.
O
que existe de tão peculiar na escuridão? Aquilo que nos faz acreditar ver
coisas, ouvir barulhos, que nos faz pensar no improvável e no inacreditável. Eu
adorava filmes de terror, mas estar na cena de um deles não me era agradável.
Ali, no escuro, eu pensava em minha vida, no que fiz e no que hei de fazer, e
me sentia vazio. Não estava vazio, é claro, mas assim me sentia, como uma
bexiga furada, deixando todos os temores escaparem enquanto eu murchava no
lugar, incapaz, fraco e infantil. Ri da incompetência de meus pensamentos,
recompondo-me. Quanta bobeira. Aquilo era apenas uma falta de luz, nada mais.
Não havia ninguém ali.
Algo
passou nas sombras, oscilando a luz de meu celular. O tempo do display chegou
ao fim, e ela se apagou. Acionei o botão novamente, a luz retornou, não havia
nada.
A
sensação era estranha. Eu me sentia vazio, e agora, acompanhado. Mirei as
bordas da cama, ninguém. Mirei o teto, a janela cerrada, o computador e a
televisão desligados, nada. O corredor, outra vez, sem sinal da gata e do rato.
Ela provavelmente o pegou, arrastando-o numa brincadeira cuja finalidade era
indizível. Ela o levou, tinha sua companhia, e eu fiquei sozinho, sozinho no
escuro, sem nada de útil para pensar.
Mudei
para a quarta mensagem, mas ela se fechou antes que eu pudesse fazer algo.
A
bateria chegara ao fim.
Ouvi
passos, novamente. Um miado, distante, e o barulho das garras de meu animal de
estimação. Ela faria uma bagunça com o sangue do rato, eu sabia. Minha mãe
ficaria brava e a xingaria, e ela se esconderia embaixo da cama, e eu riria de
algo cuja graça inexiste. Por que estava pensando naquilo tudo? Era o escuro,
claro. O escuro ofusca os pensamentos. Eu deveria pensar nas provas da semana
seguinte, nos resultados da semana anterior, mas não, pensava no rato e na
gata, em minha mãe e suas reações.
Sacudi
o rosto, ainda ouvindo barulhos. Eu estava cansado, era isso. No completo
escuro em que estava, sequer me arriscava a levantar, temeroso de acertar algo
das proximidades. Fiquei ali, tentando refletir se deveria arriscar algo com a
amizade diferenciada que encontrara, tentando encontrar defeitos num
relacionamento que terminou sem razão, buscando um meio de me vingar daqueles
que espalhavam calúnias sobre minha pessoa, por mais que repugnasse a vingança.
Esqueci das provas, esqueci da cama, concentrei-me no escuro. Quantos problemas
encontraria ali, no silêncio? Quantos gritos calados me fariam tremer e
arrepiar?
Não
sabia se meus olhos estavam abertos ou fechados.
Passos.
Olhei
para os lados, a visão era a mesma: escuro. Luzes apagadas, noite sem estrela,
olhos abertos debaixo de um cobertor pesado. Escuro, não mais, não menos.
Pisquei, forcei os olhos abertos, senti a cabeça doer. Cocei o cabelo, escutei
o barulho das unhas nos fios.
E
passos, mais passos.
Um
miado, então silêncio. Um carro buzinou lá embaixo, acelerando. A rua ainda
existia. Eu havia me esquecido. Só me lembrava do escuro.
Alguém
gritou algo, um som abafado que trespassou minhas janelas. Era outra pessoa,
não eu. Outras pessoas também existiam. Eu não era o último homem, não era
sozinho. Mas estava sozinho. Sozinho no escuro, no silêncio, sozinho numa noite
emudecida, sob uma coberta negra e vazia, uma lacuna da inexistência. Por
quanto tempo ficaria assim, calado na vontade de gritar?
Abri
a boca, tentei falar algo, a voz me falhou, ou talvez tenha saído e eu não a
escutei.
Outros
passos.
Algo
caiu na cozinha, o metal tilintou no chão duas, três vezes, estacou. Uma faca,
talvez? Um garfo? Uma panela pendurada para secar? Era minha gata, claro. Ela
sempre fora bagunceira. Ela sempre fora complicada, sempre criou problemas.
Ela
estava ali, ao meu lado, deitada. O rato morto estava em sua boca, sobre o
lençol limpo de minha cama.
Ela
o mastigava.
Coloquei-a
no chão com seu novo brinquedo, ela correu para longe, sumiu de minha vista, e
tudo era escuro outra vez. Encostei-me à parede, o frio me arrepiou a espinha.
O silêncio era uma música, e ela cantava sem alegria, cantava de maneira
tediosa e branda, como um sussurro melódico, uma sinfonia cadavérica.
Lembrava-me a trilha sonora de um cemitério, por mais que isso soasse bizarro
de se pensar.
Olhei
para o lado, a gata estava ali outra vez. O rato não estava mais com ela.
A
porta de meu quarto sacudiu, como se empurrada. O metal rangeu conforme a
madeira deslizou no chão.
Havia
alguém ali.
Eu
me peguei tremendo. Ela estava ali, aquela pessoa. Eu pude ver a sua sombra. Eu
pude sentir sua respiração, pude ouvir seus dedos estalando. Sabia que ela
estava ali. Eu poderia me preocupar com a minha vida, com a minha segurança.
Ao
invés disso, preocupava-me com as palavras que saltaram até a ponta de minha
língua e, pelo medo, foram engolidas outra vez, engolidas para nunca mais se
aventurarem.
O
Eu te Amo, o Vá Embora, o Fique Comigo, tudo me passava pela cabeça, tudo
girava num turbilhão. Sentia-me incapaz de resolver qualquer problema, pois
problema algum escaparia da escuridão. Eu estava ali, no escuro. Não mais
sozinho.
Não
mais seguro.
Passos.
Ela
se aproximava. Eu não sabia o que fazer. Queria gritar, voz não havia. Apertei
o celular algumas vezes, a bateria não faria milagre algum. Eu me escorei na
parede. Respirei, uma respiração pesada, pois só então percebi que segurava o
ar dentro de mim. A respiração que tocou meu rosto era outra. Tão quente, tão
manhosa, tão serena.
Você
está bem?
Eu
abri os olhos, o escuro não estava mais lá. Minha mãe mexia em meus cabelos,
bem próxima. Percebi que suava frio.
Respondi
que sim, que estava, e ela me disse que a luz voltara algum tempo atrás. Estava
tudo bem agora. Tudo estava certo, e eu tinha a luz, tinha o mundo outra vez.
Liguei a televisão, deixei o som me acalmar outra vez.
Tudo
estava certo. Eu não tinha motivos para ter medo. Voltava a pensar em minhas
provas, nas notas e nos resultados, deixando de lado a sorte no amor, as
mentiras, as intrigas, a covardia dos infames, o medo de arriscar e errar.
Pensar em tudo aquilo não me levaria a lugar nenhum.
Desliguei
a televisão, apaguei as luzes e parti para meu banho. No caminho, a gata afagou
minha perna, e eu a acariciei. Ela parecia estar com saudades. Brincou algum
tempo antes que eu me fechasse no box.
Eu
ri de meu receio pelo escuro. Nunca antes me senti daquela maneira. Era uma
grande bobeira, não era?
Sim,
eu era um grande idiota.
Contei
a minha mãe, horas mais tarde, que a nossa gata caçara um rato em sua ausência,
e ela me perguntou em que dia isso aconteceu. Que estranho. Acontecera agora há
pouco! Procurei pela casa, mas não encontrei sinal de rato algum. A gata não
parecia ter sangue nos pelos e nos bigodes, como vira anteriormente.
Resolvi
me deitar, apagar as luzes e fechar a porta.
Sozinho
no escuro, conseguia pensar em meus próprios problemas, sem ter de recordar que
minha gata estava no veterinário com a minha mãe, e não ao meu lado, não
caçando ratos, não ronronando em minha perna.
Anime - Bakemonogatari
Há algum tempo, voltei a assistir alguns animes que tinha abandonado meses atrás, e esse é o caso de Bakemonogatari. São somente 15 episódios, eu sei, mas o tempo é complicado por aqui, ainda mais conciliando trabalho, faculdade e escrita. É tenso. Ontem consegui terminá-lo, enfim, e o resultado foi incrível! Os cinco últimos episódios me motivaram a escrever esse pequeno texto sobre a série e, bom, é melhor começar do início, hehe.
Bakemonogatari é um anime baseado numa série de Light Novel, cada qual apresentando um caso das Singularidades, lendas orientais que tomam conta dos personagens, criando assim situações bizarras e perigosas, como é o caso do Caranguejo que anula o peso de uma pessoa, do Macaco que lhe garante forças e descontrole, do Gato que cria uma segunda personalidade com base no stress reprimido, coisas do tipo. É fantasia, sim, mas ela também conta com uma boa dose de situações do cotidiano, e esse é um dos pontos fortes da série. Apesar de se focar em somente um garoto, rodeado por mulheres estranhas, como de costume, Bakemonogatari não precisa apelar para conteúdo abusivo ou de índole duvidosa. Ele conta o que tem de contar, com uma animação que, particularmente, achei extremamente criativa, apesar de se basear em sequências de imagens velozes, textos, fotos de paisagens reais e pessoas reais e também imagens sem nexo algum. Tudo isso auxilia na criação do clima sombrio e insano que circunda o cenário das Singularidades.
O personagem principal, Araragi, é um vampiro, um pseudo-vampiro, um meio-vampiro, ou como preferir. Vinculado a ele, temos a pequena Shinobu, uma garota que precisa estar perto dele para que possa usar seus poderes, se alimentando de seu sangue vez ou outra. Araragi é o exemplo prático de 'bonzinho-só-se-fode', sempre disposto a ajudar todo mundo, o que não faz dele um protagonista banana, muito pelo contrário. Vemos situações que muitas vezes acontecem na vida real, que aproveitam-se da ficção para criticar a atitude de certas pessoas em momentos chave.
Há referências, sangue, efeitos bons, diálogos que prendem, cenas inertes, ou seja, existe de tudo em Bakemonogatari. Ele tem episódios que realmente prendem sua atenção, pois uma piscadela errônea pode custar todo o entendimento da cena. Bakemonogatari tem 15 episódios, e já conta com uma segunda temporada, Nisemonogatari, a qual eu comecei a assistir também. É altamente recomendado para quem busca uma obra inteligente, sério. Ela tem um excelente roteiro e, apesar de não contar com cenas de lutas frequentemente, possui um gráfico e uma produção que deixa incontáveis shonem para trás. Recomendadíssimo!
Até a próxima!
Bakemonogatari é um anime baseado numa série de Light Novel, cada qual apresentando um caso das Singularidades, lendas orientais que tomam conta dos personagens, criando assim situações bizarras e perigosas, como é o caso do Caranguejo que anula o peso de uma pessoa, do Macaco que lhe garante forças e descontrole, do Gato que cria uma segunda personalidade com base no stress reprimido, coisas do tipo. É fantasia, sim, mas ela também conta com uma boa dose de situações do cotidiano, e esse é um dos pontos fortes da série. Apesar de se focar em somente um garoto, rodeado por mulheres estranhas, como de costume, Bakemonogatari não precisa apelar para conteúdo abusivo ou de índole duvidosa. Ele conta o que tem de contar, com uma animação que, particularmente, achei extremamente criativa, apesar de se basear em sequências de imagens velozes, textos, fotos de paisagens reais e pessoas reais e também imagens sem nexo algum. Tudo isso auxilia na criação do clima sombrio e insano que circunda o cenário das Singularidades.
O personagem principal, Araragi, é um vampiro, um pseudo-vampiro, um meio-vampiro, ou como preferir. Vinculado a ele, temos a pequena Shinobu, uma garota que precisa estar perto dele para que possa usar seus poderes, se alimentando de seu sangue vez ou outra. Araragi é o exemplo prático de 'bonzinho-só-se-fode', sempre disposto a ajudar todo mundo, o que não faz dele um protagonista banana, muito pelo contrário. Vemos situações que muitas vezes acontecem na vida real, que aproveitam-se da ficção para criticar a atitude de certas pessoas em momentos chave.
Há referências, sangue, efeitos bons, diálogos que prendem, cenas inertes, ou seja, existe de tudo em Bakemonogatari. Ele tem episódios que realmente prendem sua atenção, pois uma piscadela errônea pode custar todo o entendimento da cena. Bakemonogatari tem 15 episódios, e já conta com uma segunda temporada, Nisemonogatari, a qual eu comecei a assistir também. É altamente recomendado para quem busca uma obra inteligente, sério. Ela tem um excelente roteiro e, apesar de não contar com cenas de lutas frequentemente, possui um gráfico e uma produção que deixa incontáveis shonem para trás. Recomendadíssimo!
Até a próxima!
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Web Novela - A Melancolia de Raymond - 11
XI
Era
uma noite como outra qualquer, grotesca, fedorenta, silenciosa e escura.
Mas
era o meu aniversário, e eu ali completava dezessete anos, o que não era tão
importante. Minha mãe não mais se recordava disso. Eu não poderia culpá-la, de
fato, ela tivera a mente destruída pela podridão dos atos que ruíram minha
família. Nunca senti falta, no entanto. Um parabéns não era algo que me faria
sorrir, que me deixaria feliz.
Eu
caí quando o skate deslizou, e isso era algo raro. Percebi que estava desconcentrado,
fora de mim. Meus olhos vagavam nas estrelas, no céu escuro, no irreal. Eu
quase pude sentir um abraço confortável em meus ombros. Estranhei aquela
sensação.
Foi
quando eles apareceram.
Havia
fogo em suas mãos.
Não
fogo de fogaréu, um fogo miúdo e singelo. O fogo de velas. Duas delas, dezena e
unidade, formando a idade que eu completava naquela noite. Camila carregava um
bolo apresentável, Robert aplaudia num ritmo exótico. Eles cantaram uma velha
canção de aniversário com meu nome, fizeram rimas toscas, me desejaram
felicidades e mandaram que eu assoprasse as velas, mas não sem antes fazer um
pedido. Eu fechei o rosto, mas estava feliz. Por dentro, estava feliz demais, até. Nunca imaginei que algo
assim pudesse acontecer, nunca em minha vida acreditei que algo tão simples
fosse capaz de me satisfazer de tal maneira a ponto de quaisquer problemas
parecerem apenas riscos de grafite numa folha em branco.
Anda
logo, faça seu desejo! Eles me apressavam com graciosidade.
Eu
não sabia o que pedir. Tinha tanta coisa, ao mesmo tempo em que não tinha nada
para desejar. Qual era a minha maior vontade? Qual era o meu maior sonho?
Pensando dessa maneira, percebi que me conhecia tão mal quanto os dois que
sorriam enquanto me esperavam escolher.
Pensei
no quanto desejei que as coisas ficassem assim, mascaradas de maneira alegre,
como se a guerra inexistisse, como se o mundo fosse um bom lugar. Decidi que o
meu desejo seria o de sempre, o tradicional, aquele que todo mundo pede, mas
que ninguém recebe.
Pedi para ser feliz, para que
tudo ficasse bem, então soprei as velas, assistindo a fumaça carregar para as
nuvens as esperanças que eu tinha daquela baboseira interferir em minha vida.
Dia do Escritor
Eu
sempre gostei de escrever.
Desde
pequeno, quando mal sabia contar as primaveras de minha vida, eu amei as
palavras. Admirava as letras que se uniam para compô-las, entoando uma canção sem
ritmo, certas vezes rítmica demais, declamando poemas de rimas ou sem elas, e
eu as admirava ali, sentado com um livro aberto nas mãos, ainda com dificuldade
para ler todos aqueles universos. Era tão maravilhoso imaginar, deixar a mente
correr solta, livre e desimpedida, alcançar limites muito além dos meus,
limites nascidos da imaginação de outros, de infindáveis autores cujos esforços
permitiram nobres proezas que me guiavam ao infinito, em ida e volta, em puro
êxtase.
Um
dia, decidi me aventurar. As palavras ainda eram inimigas, obviamente, mas eu
já as riscava em folhas brancas, dobradas ao meio, contava meus clichês em
tantos pontos e vírgulas que mal se podia ler, mas eram minhas histórias, meus
dizeres, vidas e mais vidas saídas de minha imaginação, dobradas numa boneca de
livreto, tão falsa e tola, tão linda e amável. Eu não era bom, não era nada,
mas era feliz, feliz demais, e mais feliz me tornava a cada nova história, a
cada nova folha dobrada, a cada caneta que se acabava.
Foi
quando me aventurei, de uma vez por todas, num mundo só meu. Era uma terra
grandiosa, grande até demais, e ela abrigou dezoito meses de emoções,
garantindo-me adrenalina num roteiro sem estrutura, que me surpreendia a cada
novo capítulo, e lá estava ele, tomando forma num manuscrito que, hoje, é mais
do que um tesouro, algo que guardo em minhas gavetas como a maior riqueza que
hei de possuir. Oitocentas páginas mostraram-me que sim, eu poderia ser como
eles, poderia ser um deus em meu próprio mundo, e então eu o fiz, e continuei a
fazer, e decidi que para sempre o faria.
Escrevi
mais e mais, escrevi muito, por mais que poucos lessem. Amigos críticos,
companheiros virtuais, leitores em sites de postagens digitais, eu fiz o
possível, eu fiz mais que o possível, eu fiz
o que tinha vontade de fazer, e fiz por gostar, não por esperar nada em
troca, e decidi que sempre seria assim e que, por ser assim, seria melhor.
Escrevi e escrevi até os braços doerem, os dedos latejarem, a mente pulsar pelo
clímax de desfechos e brechas soltas, de pontas de livre continuidade e
introduções melancólicas, por situações aterrorizantes e por amores
correspondidos, ou não correspondidos, ou deixados ao vento pela perda
iminente.
Eles
morreram, eles viveram felizes para sempre, eles encontraram ou desencontraram
aquilo que mais procuravam, mas eu sempre encontrava o que procurava, pois procurava
por eles, por personagens, por companheiros, por vidas que inexistiam, mas para
mim sempre existiriam, nobres e impuras, tão vívidas quanto o mais real dos
reais seria incapaz de ser. Enquanto eles morriam e viviam, eu sorria e chorava,
com eles, por eles, por todos, e os via chorar e sorrir, como um filme, como
uma peça de teatro, como um amontoado de letras, palavras, frases e parágrafos.
Eu
era um pai, mas um pai de filhos incontáveis, um pai de deuses e guerreiros e
de seres mais velhos que eu, um pai realizado e orgulhoso de todas as suas
proles. Eles não me agradeciam, não viviam por mim, mas eu vivia por eles e os
agradecia por cada conquista, por cada vitória, por cada plano maquiavélico;
agradecia-os por respirar quando as páginas eram viradas. A cada final de dia,
quando meus olhos se fecham no repouso, ainda os vejo, vivos e mortos, felizes
e tristonhos, realizados ou sem esperança, cada qual em seu mundo, em sua
localidade, com culturas variadas, manias peculiares e vestimentas atípicas,
cada qual com sua existência inexistente, com seus amores e ódios, com suas
revoltas e glórias.
Por
essas e outras —por filhos, por mundos, por problemas e soluções de tantos
universos —eu amo o que faço, e o faço por amar, mais do que tudo, a liberdade
que somente as palavras podem garantir. Por essas e outras, por tudo aquilo que
realizei e hei de realizar na vida, mantenho-me na trilha do escritor, no rumo
dos contadores de história, no caminho imaginativo daqueles que sonham
acordados, que deslumbram o irreal em suas realidades, que fazem do surreal o
existente, material nas mãos de cada leitor, estampados virtualmente nas páginas
de um blog ou site, sólidos, rígidos, densos, tão leves quanto uma pluma
carregada pela brisa.
Por
essas e outras, por todas essas e por todas outras, que os incito e motivo a
escrever, a ler, a viver a fantasia de fantasiar a vida. Sejam escritores ou
leitores, tenham sonhos ou vontades, parabenizo a todos pelas letras, pelas
frases, pelas criações, e aplaudo de pé cada nova cena, cada nova alegria e
tristeza em nossas crias, cada vingança completa, cada amor encontrado. Aplaudo
o fantástico, a ficção, pois somente assim toda a sua irrealidade se torna
real, vive ao nosso lado, inspira, respira e transpira por mundos e universos
que, por mais distantes que sejam, vivem abaixo de um mesmo céu.
Parabéns
a todos pelo dia do escritor.
Taubaté, 25 de julho de 2012.
Rodolfo Santos
terça-feira, 24 de julho de 2012
Web Novela - A Melancolia de Raymond - 10
X
Um
dia Robert me disse que queria escrever uma história sobre a minha vida.
Como
assim?, eu perguntei. Não há história em minha vida. São dias desolados, sem
emoção alguma. Quem leria uma obra tão catastrófica e bizarra?
Ele
deu de ombros, indiferente, e disse que escreveria ainda assim. Me perguntou se
eu leria, e eu confirmei, obviamente. Não por vontade. Por educação, por
admirá-lo como pessoa, não como escritor, por ser seu amigo. E por se tratar de
uma coisa sobre mim, é claro, o maior de todos os fatores. Eu pensei tudo
aquilo, mas disse a ele apenas que sim, eu leria, e ele me disse que, nos
tempos atuais, já seria o suficiente.
Às
vezes, quando eu me sentia sozinho (o que, em suma, era a minha realidade na
maior parte do tempo), contava a Robert sobre Camila. Ele a viu uma vez, quando
eu a ensinava algumas manobras básicas de skate. Disse que ela parecia uma
patricinha sem rumo e sem personalidade, mas eu a defendi, erroneamente. Era
isso o que ela era: uma filha de ricos fujões, movida por um modismo que a
levou até o abismo, já que nada da estética e da moda sobrevivera ao caos do
conflito. Mas eu a defendi mesmo assim.
Então
ele riu, babaca. Disse que eu estava apaixonado, e eu respondi com o dedo médio
em riste. Eu não estava apaixonado! Ela era somente uma garota magricela! Eu
tinha sexo quando tinha vontade, encontrava alguns dólares na rua e alugava uma
prostituta ou comprava uma revista pornográfica de um mendigo qualquer, sei lá.
Quem precisa de uma mulher? Quem precisa de uma companheira fixa?
Refletindo
sobre isso, vi o quanto ela me fazia bem. Ela estava lá, ao meu lado,
conversando sobre as coisas que eu mais gostava, ou o que sobrara delas. Como
Robert, que era meu amigo, meu melhor
amigo. Como ele, porém em menos tempo, em meses, como ele fazia há anos. Seria
verdade? Eu estava mesmo sentindo algo por ela?
Disse
a mim mesmo que não, e então me virei, mas não sem antes escutar a piadinha
infame sobre o livro da minha vida se tornar um belo romance dramático de
merda. Acenei um foda-se para Rob, e
então parti, vagando pensativo no quão sofrível poderia ser a vida de meus
amigos, ingênuos quanto à mágica que habitava minha existência, se a caçada que
marcou meu corpo fosse guiada de modo a ferir aqueles que me circundavam.
Eu
precisava ser forte.
Precisava
defendê-los, como não pude fazer ao meu pai e à minha mãe.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Web Novela - A Melancolia de Raymond - 9
IX
Aquele
era mais um dia em que minha mãe tinha seus surtos.
Eram
frequentes, cada vez mais, cada vez piores. Ela se atirava contra as paredes,
gritava coisas sem sentido, chamava por meu pai, por mim, implorava para viver.
Eu imaginava que, em suas alucinações, ela era obrigada a assistir àquela cena
outra vez, ao massacre que levou meu pai de seu leito, que mutilou nossa
família com uma dor que jamais cicatrizaria.
Quando
a via assim, sentia pena, mas não fazia nada.
Eu
ficava ali, sentado, dominando os brinquedos que eram minhas únicas companhias,
deixando-a gritar no banheiro, trancada, como louca que era, e sua cela era
aquela, seu quarto de sanatório, fedendo a uma descarga de funcionamento
duvidoso e aos esgotos que vez ou outra vomitavam suas imundices pelo ralo.
Ficava ali por horas, presa como um animal e, quando ela saía, seu corpo tinha
marcas, sangue e hematomas que me lembrariam por semanas de um novo dia em que
sua sobrevivência fora testada.
Insana
como estava, minha mãe era incapaz de utilizar a magia. Eu a retirava de lá,
ainda trêmula, auxiliava na restauração de seus ferimentos. Confesso que nunca
fui bom em magias de cura e recuperação, mas fazia meu melhor, e ela não
reclamava. Jamais reclamaria. Era aquilo que a mantinha viva, na realidade.
Enquanto
eu cuidava dela, ela repetia um nome em murmúrios, um nome que eu jamais me
esqueceria: Caraway.
Eu
nunca o conheci. Na verdade, possivelmente o vi uma vez na vida, e só. Não me
lembrava de seu rosto, de sua voz, de suas expressões, de nada. Me lembrava de
somente uma coisa: eu o odiava. Eu tinha de odiá-lo, tinha de desejar sua morte
com todas as minhas forças, e minha vida era assim, feita de ódio e de dias
negros, sem escolhas, sem vontades. Caraway era um velho cão de guerra, um
bruxo de tenebrosidade sem igual, um dos cabeças daquela guerra escrota que
ocorria além de minhas janelas, e também dentro delas. Era ele o responsável
pelos problemas de minha cidade, de meu estado, talvez de todo o mundo.
Era
ele o responsável pela morte do meu pai.
Minha
mãe suspirava, chorava um pranto doloroso, mas ainda assim me dizia que tudo
ficaria bem, que ela me amava mais do que tudo, que nós passaríamos por aquilo
e seríamos felizes outra vez.
Então
ela dormia, e sonhava, mas eu sabia que sonho algum seria tão improvável quanto
aquelas palavras de conforto.
sábado, 21 de julho de 2012
Web Novela - A Melancolia de Raymond - 8
VIII
Eu
tinha minhas dúvidas sobre o que era o amor.
Quando
eu estava ao lado de Camila, não me restava dúvida alguma. Ele falava coisas
sem nexo, divagando sobre tolices e frescuras, de pares de sapatos a cores de
vestidos, de efeitos de alucinógenos a sabores de bebidas alcóolicas, nada
útil, nada belo.
Só
ela.
Uma
vez, quando ela me pedira para andar de skate, o brinquedo traiçoeiro, como ela
chamava, a derrubou. Ela caiu por falta de prática, obviamente, mas jamais
aceitaria tal fato. O asfalto rústico lhe marcara os joelhos, deixando seu
sangue correr livre. Eu me ajoelhei aos eu lado e, com um pano não tão limpo
quanto deveria estar, comecei a limpá-los.
Não
era exatamente a coisa mais romântica, mas eu me senti diferente. Ela cheirava
a incenso mais do que a perfume. Incenso de ameixa, chutei. Me peguei
imaginando se o seu sangue teria o mesmo gosto do meu, metálico e intenso, e
achei isso bizarro. Ela me perguntou no que eu estava pensando, e eu disse a
verdade, preparado para escutá-la me chamar de nojento, mas ela riu. Disse que eu
era interessante. Diferente demais, estranho demais.
Nada
demais.
Eu
terminei de limpar seus joelhos e ela se levantou, pronta para ir embora. Deu
dois tapas no meu ombro e sorriu, uma despedida que achei masculina demais,
coisa que nunca diria a ela, claro. Perguntei se deveria acompanhá-la, por
motivos de segurança, nada além disso.
Então
ela me beijou.
Seu
beijo tinha gosto de ferro, mas eu acho que era somente minha imaginação.
Quando
ela terminou, me deu outros dois tapas nos ombros, sorriu, e disse que eu era
um merda. Eu não entendi, mas fiquei admirando seu rebolado magricela conforme
ela se afastava.
Naquela
noite, roubei oitenta dólares e gastei mais duas horas com outra prostituta.
Minha
primeira concepção de amor dizia que ele era uma babaquice sem tamanho, que nos
fazia gastar dinheiro e dava vontade de transar.
Descobri, muito depois, que
não estava tão errado assim.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Web Novela - A Melancolia de Raymond - 7
VII
Eu
fui assaltado várias vezes, mas nunca tive medo.
A
reação era uma escolha. Eu podia derrubar um criminoso com a magia, podia
torturá-lo e furtar seus pertences; às vezes o fazia, às vezes não. Corria, me
afastava, desaparecia na noite, ou era apanhado e golpeado até que o sangue
escorresse, e então vasculhavam minhas roupas, constatavam que eu nada tinha e
cuspiam em meu rosto, como despedida.
Agora,
era diferente.
Atrás
de mim havia um mago. Não um garoto em sua provocação, não um valentão disposto
a ironizar-me; um mago de verdade. Ele me perseguia, ameaçava, jorrava sua
feitiçaria nas paredes ao meu redor, e a mágica era real, era perigosa e
persistente, explosiva e devastadora. Ao meu redor, restavam marcas da
destruição, cicatrizes da desolação de seus desejos que tomavam formas e cores.
E
eu fugia, com medo.
Foi
quando cheguei a um beco sem saída. Encontrei o escuro, minha respiração
estacou. Eu procurei uma saída, um jeito com o qual eu pudesse escapar, em vão.
Ele surgiu, sorrindo com seus lábios partidos pelo frio, e eu me virei,
despreparado, pois ninguém se prepara para a própria morte.
Ele
poderia ter me matado naquele momento, mas não o fez.
Sua
magia me derrubou, me fez contorcer, e eu agonizava mais a cada segundo,
incapaz de resistir àquele castigo criado pela vontade de um homem poderoso.
Enquanto eu sofria, ele me observava, examinando algo que eu falhei em deduzir.
Girei no lugar, aos prantos e gritos, escorei-me numa das paredes para tentar
esticar as pernas, tossi como cão sem dono enquanto sustentava um esforço
abrupto para manter a consciência e, acima de tudo, a sanidade.
De
súbito, ele parou. Riu alto, se virou e foi embora, deixando-me ali, como se
nada fosse, pensando com meus botões no motivo incoerente que o impedira de me
tirar a vida. Ele era mais forte, mais ágil; ele era mais.
Eu
não era nada.
Ofegante,
me pus em pé, limpando as roupas com os braços, e só então percebi que uma luz
castanha e ferrosa se dissipava em meu torso. Levantei as roupas, encontrando
um símbolo irreconhecível, sem significado algum, e só entendi a situação que
me cercava: eu não fui alvejado para a morte.
Ele
me marcou.
Agora
sim eu seria um alvo.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Crônica - A Dor das Mulheres
A Dor das Mulheres
Ele
repetia sem se cansar os comentários sobre a sua beleza.
Ela
os escutava sem emoção alguma nos olhos. Eram palavras, nada mais. Palavras sem
sentido, de significado fútil, cuja razão e objetivo de existirem eram somente a
fornicação casual que lhe seria oferecida após uma cantada barata. Sendo assim,
ela escutava tudo em silêncio, e cada um de seus pensamentos era intangível e
imperceptível.
Ambos
se sentavam numa mesa circular, bebericando cervejas geladas numa noite mais
gelada do que qualquer cerveja poderia estar. A música ambiente era abobada, um
ritmo de jazz antigo que agraciava os ouvidos, ao contrário daqueles elogios
perversos e tomados por desejos infames. Sentados ali, como um casal, eles
sabiam seus nomes e suas virtudes, talvez alguns de seus defeitos, e só. Eram
recém-conhecidos, transeuntes do viver, amigos que se fizeram por meio virtual
e que, ali, tinham interesses bastante distintos.
Ele
a admirava. Aquela mulher à sua frente era bonita, com caracóis avantajados no
cabelo, um brilho gracioso nos olhos e maquiagem na medida correta de sua aparência
de boneca. Ele a via como gente, mas dedilhava seu corpo imaginariamente,
transformando-o em números; medidas de busto, de cintura, de quadris, um
possível celular com o qual trocariam mensagens sobre o sexo da noite anterior,
outros mais.
Ela
o admirava, mas de uma maneira diferente. Sentia o palpitar de um coração
vívido, excitado pelas coxas exibidas na curva da saia, escutava o sangue
deslizar nas trilhas de veias sujas, manchadas por uma ansiedade espermática.
Sentia sua vida, aquela vida porca e de desuso frequente, respirava o mesmo ar
impregnado pela existência de um ser cuja malícia e podridão eram deveras
inadmissíveis para o universo que o circundava.
Enquanto
tinham seus pensamentos ilegíveis, conversavam sobre homens e mulheres.
Ele
era machista, fácil de perceber. Tinha o costume de apontar defeitos em
atitudes minimalistas, criticar detalhes e minúcias, expurgar o sentimentalismo
de cenas cujas propriedades eróticas deveriam transpor as barreiras do ilícito
ato da cópula, do coito, da copulação inconsistente de emoções cicatrizadas num
murmúrio desvairado pela náusea do libido. Ela tomava de seu copo, lambia os
lábios, e isso tirava a concentração dele, fazia-o respirar de forma branda,
baixar os olhos num disfarce de funcionalidade duvidosa, enrolar a franja no indicador
enquanto assoviava uma melodia cuja rítmica se perdera num labirinto de nudez e
perversão. Então ela dizia sua opinião, e ele escutava, assentia, concordava,
mas sequer sabia o que lhe fora dito um segundo antes; sabia apenas daquele
sorriso, da voz sinfônica, do palavreado de canto agradabilíssimo, das madeixas
despencadas sobre a pele enuviada, das bochechas femininas ruborizadas por um
frio desumano. Sabia disso, em detalhes e pormenores, e não sabia de mais nada.
Ela
o provocou, seduzindo-o com um toque de dedos, uma carícia de suas unhas,
crescidas mais do que de costume. As mãos dele tremiam, abraçadas parte ao
copo, parte à alma que lhe tentava rasgar a pele e se afugentar. Ele se viu corar
no reflexo dourado da cevada, e ali veria seu futuro, caso houvesse algo a ser
visto.
O
corpo respondeu a estímulos, e assim ambos se levantaram, ele pagou a conta e
ela agradeceu, encenando uma discussão sobre o feminismo de dividir o
custeamento de uma noite como aquela. Jogaram-se no banco de couro de um
automóvel, ele dirigiu, alvejava um motel barato. Ela mandou que ele parasse no
breu, disse que sua cama eram os becos de luz inexistente, ele viu a adrenalina
exaltar na mente. Estacionou sem se importar com distâncias ou segurança,
apagou os faróis, entraram ambos num recuo tão noturno quanto o céu que lhes
cobria o erro; escoraram-se nas paredes, impacientes, e ela o beijou, e seu
beijo era uma tortura de tão delicioso, por pouco não o forçando a implodir seu
clímax. Ele deixou suas mãos correrem livre, guiadas pelo instinto previamente abandonado
em cavernas, milênios atrás, mas ele estava todo ali, sedento pelo desejo, em
descontrole e frenesi, idolatrando a perdição de ver a vida tresloucar-se como
nunca antes vira.
Quando
o êxtase lhe fez romper o zíper com as mãos bárbaras, ela estacou. Apoiou suas
unhas rubras em seus ombros e se aproximou, em vagarosa sedução, soprando alucinada
os ouvidos que lhe desejam, pois o corpo todo lhe desejava, e sua pergunta era
o quão forte seriam os homens, o quanto suportariam tais seres pútridos,
incapazes de se igualar às fêmeas, incapazes de respeitá-las como existentes,
de não vê-las como objetos utilizados para ejaculações e nada mais, e ele não
soube responder, pois se mostrava como todos os outros, se portava como homem,
como porco animalesco que era, e mesmo que soubesse não o faria pois, ao
ouvi-la perguntar sobre a dor das mulheres e a fraqueza dos homens, postou o
membro rijo para fora de suas vestes, deixando de lado quaisquer monólogos que
aquela vadia estivesse disposta a manter.
A
noite terminou cedo.
Da
mulher, restara sinal algum, bem como do veículo. Desapareceram na neblina,
antes mesmo do sol sonhar com seu nascer, antes mesmo que ele alcançasse o
repouso que lhe faz brilhar durante as manhãs.
O
homem, no entanto, jazia ali, inerte e gélido. Despido numa nudez arroxeada,
tinha os braços e as pernas amarrados em distância surreal, e um corte
sorridente lhe rompia o estômago. Havia, em seu interior, um amontoado de
carniça que, ao longe, pareceriam quaisquer coisas, mas nunca o que realmente
eram.
Fetos.
Morrera
ali, como fraco que era, inepto a sobrepor, do mesmo que sobrepujou, a dor
sofrida por uma mulher.
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